Anne Frank almejava ser escritora —sonho que os nazistas, apesar de lhe tirarem a vida, não conseguiram frustrar. De junho de 1942 a agosto de 1944, a jovem alemã e judia, então com idade entre 13 e 15 anos, escreveu um diário como válvula de escape para suportar os sombrios dias no fundo de um casarão em Amsterdã, onde vivia com a família. Apelidado por ela de Anexo Secreto, o esconderijo, hoje ponto turístico na capital holandesa, abrigava oito pessoas. Descobertos, todos foram para campos de concentração. Apenas Otto, o pai de Anne, sobreviveu. Se estivesse viva, a atrevida autora de O Diário de Anne Frank completaria, no próximo dia 12 de junho, 90 anos.
As folhas do diário, além de alguns contos e poemas, foram encontradas por mulheres que ajudavam na manutenção do esconderijo. O material foi entregue mais tarde a Otto, que redescobriu ali a própria filha. Nas páginas, Anne relata o dia a dia no limitado espaço e os medos e esperanças em relação à guerra. Ela faz críticas ferozes à mãe e a alguns integrantes da casa e esmiúça sentimentos triviais — como a dúvida quanto à capacidade da família em manter a mesma posição social de antes do conflito.
A riqueza histórica do diário é indiscutível, especialmente por dar voz a uma jovem imersa naquele período tenebroso. Tanto que a obra demonstra uma resiliência impressionante. Desde sua primeira divulgação em holandês, com tiragem de 3 036 cópias, o livro ganhou versões ampliadas e espalhou-se pelo mundo. Foi abraçado pela Broadway e por diversas adaptações em Hollywood. No Brasil, já superou a vistosa marca de 200 semanas na lista de mais vendidos de VEJA.
O diário recebeu um forte impulso nas vendas em 2014, quando A Culpa É das Estrelas chegou aos cinemas. O best-seller de John Green e sua adaptação dão colorido pop à vida de Anne, que tem seu esconderijo visitado pelos protagonistas. O sucesso do longa alavancou as vendas do diário — assim como, anos antes, a saga vampiresca Crepúsculo fizera crescer o interesse pelo clássico O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë. A Record, editora autorizada pela Fundação Anne Frank no Brasil, contabiliza mais de 1 milhão de exemplares vendidos. Desse total, meio milhão derivou-se de ações após o filme de 2014 e do lançamento da versão do diário em graphic novel.
Em 2016, o livro caiu em domínio público e ganhou novas versões em outras editoras. A popularidade também se deve às escolas, que recomendam o diário como leitura de apoio. Mas esse filão sofreu abalo recentemente, quando famílias conservadoras nos Estados Unidos e no Brasil questionaram sua leitura por crianças. No livro, há passagens em que Anne descobre o próprio corpo. Em determinado ponto, ela descreve sua visão de como é a vagina, e pergunta-se como é possível que por ali passe o órgão sexual masculino ou um bebê. Curiosamente, a versão original trazia trechos bem mais apimentados, cortados pelo pai da autora.
Publicado em VEJA de 3 de abril de 2019, edição nº 2628
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