O ano de 2016 começou reluzente para Rupert Murdoch. Então aos 84 anos, o bilionário australiano se casava — pela quarta vez — com a modelo Jerry Hall, 59, ex do roqueiro Mick Jagger. A cerimônia em Londres foi um luxo, com a presença de celebridades e políticos. Murdoch celebrava, ainda, o feito de reunir os seis filhos em harmonia — momento eternizado por uma foto de fachada feliz, na qual figuram também os quatro novos enteados, filhos da noiva. A imagem é simbólica: essa foi a última vez em que a família se viu unida antes de mergulhar numa briga judicial de 20 bilhões de dólares.
As picuinhas do clã se tornaram mundialmente conhecidas graças à série da HBO Succession — que eles odeiam. A produção sobre uma família que disputa o posto mais alto dentro do conglomerado de mídia criado pelo pai bebeu da ampla pesquisa do jornalista americano Michael Wolff, que atiçou a ira de Murdoch com uma detalhada (e nada elogiosa) biografia em 2008 e que, agora, assina A Queda: o Fim da Fox News e do Império Murdoch, outro título que observa as brigas da família, dessa vez passando pelos bastidores do tóxico canal de notícias Fox News, parte do império do magnata. Diante da comparação com Succession, o autor sugere que o clã combinaria mais com uma sitcom. “São personagens caricatos, sem carisma, que repetem os mesmos erros. É risível”, disse Wolff a VEJA (leia mais abaixo).
A Queda: o Fim da Fox News e do Império Murdoch – Michael Wolff
A curiosidade sobre o que acontece nas mansões da família não vem só do gosto mundano pela vida alheia, mas também das implicações drásticas que suas movimentações causam nos reles mortais. Além do polêmico canal de TV, Murdoch é dono de jornais na Austrália, na Inglaterra e nos Estados Unidos, dos mais chinfrins até o respeitável The Wall Street Journal. Ele está por trás do endosso a políticos estridentes, sendo Donald Trump o mais emblemático: o ex-presidente teve apoio da Fox para se eleger — e ainda conta com seu impulso para um novo mandato. Ímã de audiência, Trump foi também a causa de um processo que custou ao canal 787 milhões de dólares pagos à empresa de tecnologia Dominion, acusada levianamente por ele de fraude nas eleições de 2020 — discurso abraçado pela Fox News e que culminou na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
Ironicamente, nem todos os filhos compartilham da visão política de Murdoch. A mais nova manobra do patriarca, aliás, foi escolher um herdeiro como depositário de seu espólio: o eleito é Lachlan Murdoch, 52 anos, o filho homem mais velho e CEO da Fox Corporation, alinhado aos ideais conservadores do pai — hoje com 93 anos. James, Prudence e Elisabeth, os outros três herdeiros igualitários da herança (as duas filhas mais jovens nasceram depois do acordo), responderam com um processo que corre na Justiça americana. “Rupert quer deixar um legado imortal”, afirma Wolff. “Mas é provável que, quando morrer, os filhos entrarão em conflito e a Fox News será o centro do embate.”
Aos 70 anos, o jornalista é figura respeitada e temida entre os poderosos. Sarcástico, Wolff construiu uma carreira sólida em grandes veículos de comunicação e entrou no universo paralelo dos Murdoch em 2001, quando, após tecer um artigo criticando Roger Ailes (1940-2017), criador e diretor da Fox News, recebeu um telefonema do próprio para ouvir o lado dele — e o convidando para um almoço. Ailes apresentou Wolff a Murdoch e a Trump. Isso lhe deu acesso à Casa Branca no primeiro ano da presidência do republicano, resultando no explosivo Fogo e Fúria (2018), obra que expõe absurdos de Trump no poder.
Fogo e fúria: Por dentro da Casa Branca de Trump – Michael Wolff
No novo livro, Wolff transita com elegância e sagacidade entre análises políticas e o apelo de uma boa fofoca. A gama de personagens ajuda. Ailes caiu em desgraça ao ser acusado de assédio sexual pela apresentadora Gretchen Carlson. O clima machista da Fox News é, aliás, um capítulo tenso do livro — que ilustra as curiosas semelhanças entre os herdeiros de Murdoch e os filhos de Logan Roy.
Neles, não é difícil entrever os traços de Kendall, Roman e Shiv, os irmãos de Succession. Lachlan é o filho sem pulso, mas ansioso por agradar ao pai. James, 51 anos, foi quem convenceu Murdoch a vender boa parte das empresas da Fox para a Disney, em 2017, por 71,3 bilhões de dólares — ele esperava, sem sucesso, um cargo na gigante do entretenimento. James não fala com o irmão e o pai há anos. Já Elisabeth, 55, é a filha rebelde que se virou sozinha, mas flerta com a chance de ascender ao trono. Prudence, 66, é a primogênita que não se interessa pelos negócios, mas tem voto ativo entre os acionistas. Já Grace e Chloe, de 23 e 21, não têm parte no comando, mas desfrutam da juventude com 2 bilhões de dólares no bolso — grana que cada filho recebeu com a venda para a Disney. Não bastasse o complexo jogo de xadrez familiar, Murdoch se casou este ano pela quinta vez. A novela da vida real está longe de acabar.
“Tenho pena de Rupert Murdoch”
Michael Wolff falou a VEJA sobre seu novo livro e a longa experiência como observador do clã do magnata.
Ao escolher o filho homem mais velho como gestor de seu império, Murdoch enfureceu os demais herdeiros. Como avalia a decisão? Há dois tipos de mortalidade, a do corpo e a do legado. Rupert quer deixar um legado imortal, por isso escolheu o filho mais ligado à sua visão política. Mas é uma postura simbólica, que dificilmente será aceita pela lei.
Pode explicar melhor? Rupert queria criar uma dinastia. Mas ele e os filhos não falam a mesma língua. Ele ainda demorou a dar poder aos sucessores. Aos 93 anos, continua reinando.
Como foi conviver com ele para escrever a biografia de 2008? Ele é agradável. Não é extremista. Aliás, Rupert diz a quem quiser ouvir que não gosta do Trump. Ele fala sempre dos filhos, relação que tem o dinheiro no meio do caminho. Também sou pai, tive pena de Rupert Murdoch e dessa família em conflito.
Como vê o modo em que Succession se inspirou nessa história? A série usou mais a estrutura, a ideia da disputa. Mas os personagens não são retratos fiéis. Rupert não tem quase nada do patriarca da série, Logan Roy. Ele não é tão articulado, nem intimidador, odeia conflito — por isso tem advogados que brigam no lugar dele. Já os filhos, na série, querem aprovação do pai. Na vida real, os filhos querem se ver livres do Rupert.
No livro, o senhor diz que os Murdoch seriam mais adequados para uma sitcom. Por quê? Pois ele são caricatos, sem carisma, e repetem os mesmos erros o tempo todo, como acontece em uma comédia. Succession, por sinal, era uma dramédia. A gente ri dos absurdos que acontecem nesse mundo.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904