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Sereísmo, a moda que está inundando o Brasil

Os amantes das sereias, e seu estilo de vida ligado à água e meio-ambiente, se espalham pelo mundo e já conquistaram as novelas nacionais

Por Rafael Aloi 5 Maio 2017, 09h15
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  • Como pode um peixe vivo viver fora da água fria? Só mesmo se for uma sereia, e do tipo vivido por Isis Valverde em A Força do Querer, a trama das 9 da Globo. Acredite se quiser: elas estão se espalhando pelo Brasil e pelas redes sociais, sob o rótulo do sereísmo, título dado a um padrão de comportamento que para muitos ultrapassa o conceito de modinha. Há quem, além de uma enorme cauda de peixe, incorpore no dia a dia hábitos que implicam um um contato mais intenso não apenas com a água, mas com o meio-ambiente de forma geral.

    “O sereísmo tem toda uma filosofia”, prega Mirella Ferraz, a primeira sereia profissional brasileira, que diz ficar irritada quando chamam o sereísmo de moda ou embarcam nele só “para ganhar likes no Instagram”. “Tem que ter uma identificação com a água, se sentir feliz nela. Ser muito ligada ao meio-ambiente, ser ativista, gostar e estudar o mundo das sereias. Não é só colocar conchinha no cabelo”, dita as regras a sereia que serviu de base para Gloria Perez criar Ritinha, a personagem de Isis.

    “Eu nasci com amor pela água, uma fixação que não consigo explicar”, conta. A fixação por sereias moldou os 33 anos de vida de Mirella, que fez faculdade de biologia marinha, para estudar golfinhos, e morou em lugares como Fernando de Noronha e no litoral baiano. “Meus colegas de aula tinham medo de mim, porque eu só falava em sereia, e queria ficar nadando o dia inteiro, já com as pernas grudadas imitando uma cauda.” Apesar de sua obsessão aquática, ela garante ser uma pessoa pé no chão. Quando questionada se já viu uma sereia, responde com humor. “Vejo todos os dias quando me olho no espelho.”

    As sereias também conduzem a vida da blogueira Bruna Tavares, que lançou o site Sereísmo em 2013, e, através dele, nota um aumento no interesse pelo tema há um ano e meio — tendência que a novela da Globo deve acentuar. “No início, eu encontrava pouquíssimo conteúdo relativo a sereias no Brasil, ou itens relacionados para comprar.” Quando criado, o blog recebia por volta de 300 acesso mensais, enquanto o perfil no Instagram tinha cerca de 5.000 seguidores. Atualmente, o site tem 5.000 visitas por mês, e a rede social, 71 000 seguidores, número inflacionado por A Força do Querer.

    O site tem por coincidência o mesmo nome dado ao estilo de vida dos amantes das sereias. “Eu escrevia textos de moda e já era comum usar ‘-ismo’ para definir alguma escola, como minimalismo. Redigindo um texto sobre estampas praianas, acabei pensando em sereísmo. Gostei tanto do termo que usei no blog”, explica Bruna, que comanda a página junto com a colega Camila Gomes. “Quando a moda surgiu e começaram a denominá-la assim, eu fiquei surpresa.” O nome surgiu junto com o blog, pois, na mesma época, grifes como Chanel e Victoria’s Secret se inspiravam nesses seres fantásticos em seus desfiles mundo afora. Mas a virada em terras brasileiras aconteceu em 2015. “No mundo inteiro estava bastante popular, algumas famosas internacionais começaram a tirar fotos com uma cauda, como Katy Perry, Paris Hilton, Lady Gaga fez shows e um clipe vestindo uma. Aqui algumas famosas quiseram copiar, como a Ivete Sangalo e a Adriane Galisteu. Com isso, o povo começou a enxergar o sereísmo um pouco melhor, não como algo de gente insana, e sim que é algo lindo, divertido e que pode trazer magia para sua vida”, explica Mirella.

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    Bruna Tavares e Camila Gomes comandam o site sereismo.com (Divulgação/Divulgação)

    Outra prova da explosão do sereísmo está nos negócios de Mirella Ferraz, que confecciona e vende caudas. Atualmente, ela comercializa de 60 a 100 caudas por mês, a até 429 reais cada uma. Quando abriu o ateliê, em 2012, a sereia não chegava a vender nem dez caudas por mês, foi mesmo em 2015 que a maré virou. “Aumentou muito a procura, agora o estoque esgota todo mês. Antes, era só eu. Hoje, além de mim e da minha mãe, que virou minha sócia no ateliê, tive que contratar mais quatro costureiras. Vendemos para todos os públicos, adolescentes, adultos e até idosos acima dos 60 anos; para mulheres e homens.”

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    SEREIA PROFISSIONAL

    Mirella diz nunca ter tido a ambição de — ou imaginado que poderia — transformar a sua paixão de criança em carreira, o que, por sorte, aconteceu naturalmente. Em 2003, aos 19 anos, fez a primeira cauda. Ela precisou achar uma fábrica de neopreme de mergulho (tecido de borracha usado nos trajes do esporte aquático) e convencer a empresa a vender o produto, já que a fábrica só atendia pessoas jurídicas. Depois, precisou importar uma monofin, a barbatana especial para nado em apneia (técnica em que se usa a própria capacidade do pulmão de prender a respiração, sem a ajuda de um cilindro de ar). “Minha cauda foi uma realização. Foi quando me senti completa”, conta Mirella, que guarda até hoje a criação.

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    Mirella Ferraz é sereia profissional e tem um ateliê de caudas (Instagram/Reprodução)

    Com a cauda, Mirella usou a internet para mostrar os seus feitos como sereia. “Eu coloquei fotos na rede, e muitas pessoas acharam curioso e começaram a se interessar, principalmente fora do Brasil. Porque, aqui, o que é diferente é risível. Já, por exemplo, no Japão, você pode sair vestido de anime e ninguém julga. Muitas pessoas acharam legal e começaram a vir falar comigo, mas não achei que ia fazer tanto sucesso”, conta, modesta.

    A sereia começou a ter milhares de visualizações no Youtube, média que mantém até hoje em seu canal. E chamou a atenção da equipe do Fantástico, o dominical da Globo, que gravou uma matéria com ela no Aquário de São Paulo. O dono do local a convidou para fazer apresentações regularmente, e assim a sua fixação virou profissão, e ela passou a se apresentar em aquários e parques aquáticos, até montar um ateliê de caudas.

    O sucesso de Mirella atraiu Gloria Perez, que foi atrás dela para pedir ajuda em sua nova trama. A sereia então virou instrutora de Isis Valverde em A Força do Querer. “O legal é que a Gloria não vai só mostrar o visual, mas abordar a questão do meio-ambiente, da proteção do mar, dos rios. É muito importante falar disso, e fico feliz porque também sou uma ativista.”

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    Ser sereia é também se preocupar com o meio-ambiente, afirma Mirella Ferraz (Instagram/Reprodução)

    ESCOLA DE SEREIAS

    O sereísmo como estilo de vida não é algo restrito ao Brasil. Nas Filipinas, por exemplo, foi criada a Philippine Mermaid Swimming Academy, uma escola de sereias, fundada pela mergulhadora Normeth Preglo-Parzhuber em parceria com as amigas Anamie Saenz e Franziska Limmer, com quatro unidades no país. “Normeth procurava uma fantasia de Dia das Bruxas, quando descobriu que existiam muitas pessoas na internet com interesse pelos seres aquáticos e teve a ideia da escola. Ela compartilhou o plano com Anamie, fundadora do Groupon Filipinas, que viu um potencial, pois todas as meninas sonham em ser sereia”, explica Anamie.

    A escola recebe entre 150 e 300 estudantes por mês. Em 90 minutos, é possível aprender o nado básico das sereias, mas há também um curso intensivo de cinco dias com direito a certificado internacional, que possibilita que o aluno se torne um professor em nado de sereia. Os cursos custam entre 2.000 e 40.000 pesos filipinos (o equivalente a 130 e 2.500 reais). “Somos capazes de alcançar muitas sereias, independentemente da idade, sexo e raça. A maioria dos estudantes é do sexo feminino. Quando ensinamos na praia, nós temos, na maior parte, adultos entre 18 e 50 anos. Já nas piscinas são crianças entre seis e 15 anos”, informa Anamie.

    Além de ensinar os movimentos aquáticos, as professoras enxergam um elemento mais importante para se tornar um ser fantástico. Segundo a visão da escola, quando se tem amor e paixão pelas sereias, as habilidades físicas vêm naturalmente. As sereias também têm a responsabilidade social de espalhar a palavra de conservação ambiental e educar as gerações mais jovens sobre a importância dos oceanos.

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    Depois de fazer curso nas Filipinas, Thais Picchi ensina brasileiras como nadar como sereia (Aquamagia)
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    Uma das alunas foi a brasileira Thaís Picchi, que viajou para as Filipinas em fevereiro de 2016. Voltando ao Brasil, ela decidiu criar, em novembro do mesmo ano, a Aquamagia, uma oficina de sereias. A partir da base em Brasília, Thais ensina como ser sereia em várias cidades do país. Cada oficina, que dura entre três e quatro horas, custa 300 reais e grande parte dos alunos são crianças. “Mas recebo mulheres adultas com frequência. Ainda não tive alunos homens, mas muitos já demonstraram interesse. Espero ter tritões logo”, conta.

    Thaís tinha uma média de 10 alunos por mês, mas percebe que a procura cresceu após a novela. Para maio, já possui 22 alunos agendados.

    MODA

    De acordo com o Google Trends – uma ferramenta que exibe estatísticas do site de buscas –, as pesquisas pelo termo “sereísmo” no Brasil triplicaram de novembro de 2016 a abril de 2017, depois que a novela estreou, influenciadas principalmente pela moda (o mundo fashion), que é o tópico mais pesquisado em conjunto.

    O estilo das sereias se tornou uma tendência forte nas roupas. “As cores claras e as texturas de paetês, comuns nas peças com inspiração no sereísmo, estão presentes nas coleções de verão Brasil afora. Como somos um país litorâneo, a inspiração que vem do mar acaba sendo natural. Desde o artesanato até as peças mais sofisticadas”, explica o consultor de moda e apresentador de TV, Arlindo Grund. Mesmo no frio, a moda conseguiu encontrar um jeitinho: cobertores de sereia, feitos de crochê e com formato de cauda, se tornaram febre no inverno dos Estados Unidos e Europa, no fim de 2016.

    “A moda se apropriou desse estilo de vida e aproveitou que algumas celebridades se tornaram adeptas”, afirma. As principais características dessa tendência são: o cabelo sempre molhado, selvagem e solto; maquiagem levemente bronzeada; pé descalço; roupas simples e com muito crochê; cores que se referem ao mar; texturas de escamas e estampas que remetem à natureza marinha.

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    Assim como aconteceu em novelas anteriores de Gloria Perez, como América e Caminho das Índias, há grandes chances que A Força do Querer faça o estilo das sereias explodir no Brasil. No Carnaval, fantasias e maquiagens com glitter em tons marinhos já foram um hit, com tutoriais ensinando como se maquiar como uma sereia no Youtube. “Desde os apliques de cabeça com conchas às saias de cintura triangular que imitam a união do tronco com a cauda, passando pelos cintos com esse formato, pelos acessórios como pulseiras e brincos com detalhes e elementos do fundo do mar”, lista Grund como os produtos que devem se destacar nas lojas. Não sem um alerta. “As roupas inspiradas nesse estilo são super sensuais. É preciso buscar um equilíbrio ao montar o look. Sensualidade demais não fica bem em ninguém. As sereias sempre cobrem os seios com os cabelos.”

    O MAR ESTÁ PARA SEREIA?

    As adeptas do sereísmo admitem que a novela deve alavancar a popularidade do, digamos, culto. “Há pessoas que só se sentiram à vontade de revelar seu fascínio por sereias por causa da moda. Antes, tinham receio de serem criticadas”, completa Camila. Mas, como tudo que ganha grande destaque, junto com as vantagens há o risco de cair na vala comum. “Contanto que não banalizem essa profissão linda e inspiradora, está ótimo. A Mirella lutou para ter uma carreira, ultrapassou preconceitos, e merece ser respeitada. Ninguém gosta de ver seus gostos virarem piada”, afirma Camila.

    Mirella Ferraz já está ganhando com a popularização do sereísmo e deve se dar melhoer ainda se a novela transformar a moda em uma febre. Mas teme os caroneiros. “Já estou preparando meu espírito, que eu sei que a coisa vai pegar. Vai ter muito ‘merposer’, que são aquelas que querem posar de sereia só por causa da modinha. Hoje em dia, qualquer uma coloca a hashtag ‘sou sereia’. Inclusive, algumas que me xingavam no passado. Mas eu sei que vai dar coragem para muitas meninas, e meninos também, que têm medo de se expor, porque os amigos ou os pais dizem que é ridículo. Vai dar uma certa banalização, depois disso muita gente vai achar brega, e vai ficar só quem gosta. Sereia de verdade se reconhece pela alma”, filosofa. Sereísmo, afinal, é quase uma filosofia.

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