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Secretário de Cultura ao ouvir projeto de Silvio Santos: ‘Pode isso?’

Dono do SBT quer erguer torres de 100m em volta do Teatro Oficina, no Bixiga, projeto que foi tema de reunião entre Romildo Campello e a companhia teatral

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 jul 2018, 09h37 - Publicado em 23 jun 2018, 01h47
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  • Em sua epopeia para impedir que Silvio Santos erga prédios residenciais em torno do Teatro Oficina, no Bixiga, bairro da região central de São Paulo, o diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, já se reuniu com figuras públicas tão díspares como o petista Eduardo Suplicy, o então prefeito de São Paulo João Doria, o secretário municipal de Cultura, André Sturm, o vereador e membro do MBL (Movimento Brasil Livre) Fernando Holiday e o próprio Homem do Baú, que disse no encontro não pretender morrer. A última reunião, em 14 de junho, foi com Valéria Rossi Domingos, vice-presidente do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico), órgão que terá de reavaliar a questão depois de o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) autorizar um projeto imobiliário do Grupo Silvio Santos diferente daquele liberado pelo Condephaat em 2016, e com o novo secretário de Cultura do Estado de São Paulo, Romildo Campello, que ficou admirado ao saber da altura dos edifícios planejados pelo dono do SBT.

    “São torres de quase cem metros de altura”, disse Marília Gallmeister, arquiteta ligada ao Oficina que acompanhou Zé Celso e outros membros da companhia ao gabinete de Campello. “Pode construir isso?”, disparou um admirado secretário, no que foi o ponto alto do encontro, marcado pelas gargalhadas do grupo (confira, no vídeo abaixo, a partir do minuto 33).

    Quem define isso é o plano diretor, né?”, disse o secretário, tentando justificar sua confusão. “Não só o plano diretor. Vou falar isso, já que a gente está no Estado…”, começou a responder Marília, ao que foi interrompida por um solícito Campello. “Não só no Estado, mas com gente que respeita a Cultura.” Procurada, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento confirmou que “constam projetos” para o entorno do Teatro Oficina, “ainda em análise” e “protocolados com base na Lei da Operação Urbana Centro, que não estabelece limite de gabarito de altura para as edificações”. Ter cem metros, portanto, não seria o problema.

    Marília Gallmeister lembra então que, embora não tenha poder de tombar ou desapropriar, o Condephaat, instituição ligada ao governo estadual, deve regular construções – o que espera que o órgão faça nesse caso. “A gente encaminhou um documento para o Condephaat que explicava passo a passo por que esse empreendimento iria interromper o trabalho do Teatro Oficina”, diz. “A gente fez um estudo de impacto da insolação no Teatro Oficina e vimos que (com as torres) ele ficaria com luz do sol duas horas por dia, no verão.”

    Outro ponto citado pelos críticos ao projeto da Sisan, braço imobiliário do Grupo Silvio Santos, é o risco de um dos prédios obstruir a vista do famoso janelão, a imensa janela aberta por Lina Bo Bardi em uma das laterais do Oficina. Para dirimir essa ameaça, os órgãos de defesa trabalham com um cone de proteção que livra 20 metros do terreno, entre o teatro e o condomínio do apresentador. Marília pede mais proteção. “Esse cone só protege o janelão, não considera o volume inteiro do prédio. Não faz sentido, o prédio todo foi tombado.”

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    A arquiteta ainda ressalta que, quando os órgãos de defesa do patrimônio histórico, turístico e cultural avaliaram a proposta da Sisan, não analisaram a relação que pode vir a ter com outros bens tombados na mesma área. “Esse terreno do Silvio Santos está numa envoltória de cinco bens tombados, que são o Oficina, a Casa de Dona Yayá, o Castelinho do Brigadeiro, a Escola Primeiras Letras e o TBC”, diz. “Nunca foi analisado esse empreendimento na perspectiva desses outros bens tombados.” O bairro do Bixiga, destino de imigrantes italianos na primeira metade do século XX, é considerado o berço do teatro moderno brasileiro.

     

     

    A companhia teatral propõe a criação de um parque público nos terrenos que hoje pertencem a Silvio Santos, o que viria a ser o Parque do Bixiga. A ideia já constava do projeto original de Lina Bo Bardi, a arquiteta ítalo-brasileira que criou o Masp, a Casa de Vidro e o Sesc Pompeia. O Teatro Oficina é o seu canto do cisne, como se diz. Lina morreu antes de reinaugurar sua reforma no local.

    “Chegamos a pensar em fazer ali uma universidade antropófaga, com cimento, mas desistimos. Aquele terreno é muito fértil, um fundo de vale. Mesmo com o entulho deixado pelo Silvio Santos, quando a gente plantava, dava tudo”, diz Zé Celso em um trecho da conversa.

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    Valéria Rossi Domingos: ‘A política pública concreta, nesse caso, é a figura da desapropriação’ (Reprodução/Youtube)

    ‘Desapropriação dá legitimidade’

    Antes de o secretário chegar, Zé Celso submetia a vice-presidente Condephaat e também coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico, Valéria Rossi Domingos, a um desabafo em tom quase aguerrido.

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    “Durante 37 anos, o Silvio Santos não conseguiu construir no terreno. E depois de 2016 ele conseguiu. Por quê? Porque teve o golpe de Estado, que cortou educação, cortou saúde, cortou cultura e deu tudo para o capital financeiro”, disse o diretor, que desde 2016 vem sofrendo derrotas nos órgãos de defesa do patrimônio. “Sem o golpe, o Silvio Santos teria aceitado a troca do terreno. Porque então o Silvio Santos estava disposto a trocar, mantinha um diálogo ótimo. Mas depois ele teve acesso ao projeto (imobiliário) de revitalização do Bixiga, esse projeto do Doria e do Alckmin, e mudou”, diz o diretor.

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    Zé Celso, no gabinete de Romildo Campello: ‘A pressão do capital’ (Reprodução/Youtube)

    “Para nós, Valeria, não faz sentido nenhum o projeto ter sido reprovado em um a gestão, com uma configuração de conselho, e liberado em outra”, reforça Marília, lembrando que o Condephaat disse não a Condephaat em 2016 e sim no ano passado.

    A companhia teatral ouviu de Valéria que, ao seu ver, a solução para o Oficina passa pela desapropriação do terreno. “Tem que haver a figura da desapropriação. Desapropria-se o terreno, aí sim dá legitimidade para qualquer ação de caráter cultural. O tombamento não impede o direito de exercer a propriedade”, diz a conselheira.

    Marília retorque. “Essa solução que você propõe, a da desapropriação, é do Executivo. Ao sugerir esse caminho, o Condephaat se isenta do caso.” A arquiteta faz referência ao que parece um jogo de empurra-empurra, já que prefeitura e governo do Estado dizem não ter dinheiro para desapropriações – do que a atriz Fernanda Montenegro duvidou em entrevista a VEJA: “Como pode São Paulo não ter dinheiro?”

    Uma outra integrante do Oficina questiona a possibilidade de desapropriação depois de Condephaat e Iphan darem sinal verde ao projeto de Silvio Santos. “Com a aprovação de todos os órgãos de patrimônio, o valor da desapropriação sobe astronomicamente. O proprietário não tem mais direito sobre aquele terreno, mas apenas, mas sobre aquele terreno e o potencial construtivo do terreno”, pontua.

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    “Eu defendo a causa, acho a causa extremamente justa, mas há os instrumentos adequados para construir uma solução”, repete Valéria.

       

    ‘Sem falsas promessas’

     

    Romildo Campello, que chegou ao encontro no meio da conversa entre o Oficina e a conselheira do Condephaat, iniciou a conversa com elogios eloquentes a Zé Celso (minuto 26 do vídeo).

    “Quero deixar claro, primeiro, meu respeito e reconhecimento ao seu trabalho e o que você representa no Teatro Oficina. A grandiosidade do Teatro Oficina para o Brasil, São Paulo e para o mundo. Isso não está em discussão”, disse o secretário nomeado pelo atual governador, Márcio França (PSB).

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    Romildo Campello, espantado ao ouvir da arquiteta Marília Gallmeister a altura dos prédios que Silvio Santos quer construir no Bixiga (Reprodução/Youtube)

    “Ponto número dois: a tentativa de se encontrar uma alternativa para aquele terreno. Não só pelo teatro, mas pelo bairro. No centro, nós não temos áreas verdes suficientes para garantir a qualidade de vida. Temos desafios urbanos e ambientais para avançar. Tenho absoluta consciência disso.”

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    Num tom que pode ter soado promissor ao Oficina, o secretário ainda citou o Parque Augusta como exemplo de luta vitoriosa. “Quando era adjunto na gestão Haddad, passou por mim o Parque Augusta, que agora está encontrando uma solução.” Ao ouvir o nome Haddad, Zé Celso se animou. “Haddad?” E contou mais uma vez – a cada encontro e entrevista, ele é obrigado a repetir toda a saga – como Silvio Santos chegou a propor a troca do seu terreno por outro e depois recuou. “Foram oferecidos ao Silvio Santos noventa terrenos públicos”, contou.

    Campello quis saber mais sobre as tratativas com Silvio Santos e pediu uma cópia da defesa feita pelo Teatro Oficina para estudar “tecnicamente” o caso. E encerrou a reunião com um tom menos alvissareiro. “Vamos fazer um diagnóstico e voltamos a conversar, a partir desse mapeamento de possibilidades, do que pode ser feito. Não vou fazer uma promessa falsa nem fácil. A gente sabe da complexidade do assunto.”

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