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Renata Brandão, do Hysteria: ‘Sensual, Brasil discute conceito de assédio’

Por meio de plataforma exclusivamente feita por mulheres, executiva aposta em dar oportunidade para corrigir a ausência feminina em funções de comando

Por Lucas Almeida Atualizado em 23 mar 2018, 16h25 - Publicado em 23 mar 2018, 13h04
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  • Criada em 2017, Hysteria é a primeira plataforma focada em produzir e distribuir conteúdos idealizados e desenvolvidos por mulheres. À frente da empreitada, nascida dentro da Conspiração, está Renata Brandão, que vê uma consolidação da rede de mulheres da indústria do entretenimento nos últimos cinco anos. “Há dois movimentos acontecendo: o primeiro é o da valorização da produção e criação de mulheres e o segundo é a abolição de barreiras para as mulheres exercerem certa carreira ou profissão.”

    Em quinze anos de carreira, Renata vê um aumento de mulheres em cargos de liderança, como o de diretora, dentro do cinema, mas ainda encara dificuldades para encontrar profissionais femininas em áreas técnicas. “Tendo a acreditar que não é que as mulheres não gostem dessas funções técnicas, apenas não tiveram oportunidade de conhecê-las. Existe todo um ecossistema cultural que nos impede de reconhecer essas funções como oportunidade de carreira”, explica.

    Hoje, a maior expressão da plataforma é o site, que reúne vídeos, textos e até podcasts produzidos por colaboradoras. Entre os conteúdos originais estão o programa Tudo, apresentado pela atriz Maria RibeiroEstrangeiras, que mostra o cotidiano de mulheres que moram fora dos seus países de origem.

    Confira a conversa de Renata Brandão com VEJA:

     

    Como tem sido a recepção de Hysteria? A gente nasceu com esse nome, que vem de Hystera, que é útero em grego e foi onde Freud se inspirou para identificar toda aquela linha de doença psicológica que as mulheres aparentavam há uns sessenta anos, que tinha a ver com a sexualidade, a falta de liberdade. Ele as denominou de mulheres histéricas, que tinham os seus desejos reprimidos. Ele identificava isso como uma coisa ligada ao útero, ao feminino. Essa é toda a nossa inspiração para o nome. Quando fizemos o lançamento, pensamos que isso poderia gerar uma polêmica, porque as pessoas poderiam achar que estivávamos denominando as mulheres de histéricas. Mas não foi. Nós lançamos o Hysteria em novembro, mas estamos trabalhando nele há mais de um ano. Então, fomos criando uma rede de colaboradoras.

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    Acompanhamos as discussões em Hollywood sobre a falta de mulheres em cargos como de direção ou produção no cinema. Como é esse cenário no Brasil? Essa é uma realidade universal. A primeira indicação de uma editora de fotografia ao Oscar aconteceu em 2018. De fato, a indústria do entretenimento concentrou uma liderança masculina por muito tempo, principalmente nas áreas criativas. Mas, se a gente vai para áreas mais técnicas, como direção de fotografia ou mixagem de som, maquinismo, iluminação, em certos núcleos você não encontra mulheres. Acabamos de produzir uma série para o GNT chamada Desnude, que são histórias baseadas em fantasias sexuais femininas com uma equipe inteira de mulheres, e a gente teve uma dificuldade enorme de escalação para áreas técnicas. Eu tendo a acreditar que não é que as mulheres não gostem dessas funções técnicas, apenas não tiveram oportunidade de conhecê-las. Existe todo um ecossistema cultural que nos impede de reconhecê-las como oportunidade de carreira. É óbvio que existem questões, como na carreira de maquinista, em que é exigido um esforço físico maior para pegar peso e há risco de altura. Mas, da mesma forma que tem mulheres que optam pela carreira na estiva, acho que há mulheres que queiram ser gaffers (cargo máximo responsável pela parte elétrica e de iluminação no set). Há uma consciência da Conspiração em relação a isso. Queremos abrir espaço.

    Nesta temporada de premiações, vimos discussões por conta da falta de mulheres indicadas nas categorias principais. Como você avalia que isso pode ser corrigido? A melhor forma de corrigir é dar oportunidade. Vai, um pouco, na lógica de todas as cotas existentes. Mas não acho que precisamos, necessariamente, de cotas oficiais ou de legislar políticas, e sim de espaço.

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    Há dois movimentos acontecendo: o primeiro é o da valorização da produção e criação de mulheres e o segundo é a abolição de barreiras para as mulheres exercerem certa carreira ou profissão. Antes, você já partia do princípio de que era impossível fazer. A gente não tem no Brasil uma publicidade de carro assinada por uma diretora. E a maioria das publicidades de beleza também é dirigida por homens. Vai haver uma conscientização em toda a cadeia.

    Existe um movimento da indústria da publicidade nos Estados Unidos chamado Free the Bid, criado por mulheres, envolvendo as agências, que define que, para cada projeto, deve existir paridade entre homens e mulheres. Hoje, isso não existe no Brasil. Para uma publicidade de carro, você orça com cinco homens, que competem entre eles. Com o Free the Bid, as mulheres competem de igual para igual com esses homens.

    Como surgiu a plataforma Hysteria? A ideia surgiu de um desejo da Conspiração, que já tem 26 anos, de ter uma plataforma exclusiva de distribuição, produção e criação de conteúdo, exclusivamente por mulheres. Mesmo entre os diretores da produtora, isso nunca foi equiparado. Existiam duas mulheres para dez homens, porque poucas mulheres se viam naquele lugar. Foi um movimento natural. Temos acesso a muitas mulheres do mundo do entretenimento e viramos um hubbe, em que, quando as mulheres querem fazer um projeto, trazem para a gente primeiro. Acho que vou sentir que a gente chegou ao ponto quando a nossa audiência for de homens e de mulheres, porque ela é feita para todo mundo. Quando só a criação for feita por mulheres. Agora, nós estamos vindo com o festival de música, e a série Desnude. A ideia é que a gente seja uma marca que chancele tudo que for de alto padrão de criação feito por mulheres.

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    Como é para uma mulher ocupar um posto de CEO? É um desafio que não existe só por ser mulher, é um desafio ser CEO de uma produtora de conteúdo, porque todos os modelos de entretenimento estão se desconstruindo. Ser mulher é sim um desafio, mas eu não um obstáculo. Não sinto que deixei de ter nenhuma oportunidade por ser mulher e sinto as coisas mudando de todos os lados. Em outros mercados, a sensação de um possível preconceito com mulheres pode ser mais gritante, mas não no entretenimento. Desde que eu comecei na indústria, há 15 anos, conheci muitas mulheres, mas elas ocupavam cargos clássicos, de produção, de atendimento e alguns de planejamento. Os de liderança, tanto corporativo das produtoras, ou de diretoras de cena, ou de criativos, eram mais masculinos. Agora, o que eu vejo, são homens na produção e meninas que saem da faculdade pensando: vou ser a Sofia Coppola.

    O Hysteria propõe a criação de uma rede de mulheres com os mais diversos talentos. Você acha que isso já acontecia de modo “informal”, com mulheres se apoiando no mercado? Esse movimento de rede de apoio entre mulheres vem acontecendo, posso falar com segurança, nos últimos cinco anos. E isso vai entrando em todas as indústrias. A do entretenimento tem um grande poder de absorção do movimento cultural e de um choque de consciência. Há cinco anos, quando uma mulher chegava ao cargo de diretora de cena, ela se munia de uma equipe masculina para garantir o lugar dela. Hoje, eu vejo que há um desejo das mulheres darem espaço para outras. Acho que o melhor momento será quando a gente parar de falar de homem ou mulher. Hoje, há maior paridade de gêneros no eixo Rio-São Paulo, menos no Nordeste, acho. Mas acredito que estamos no caminho.

    Há busca por uma diversidade em níveis mais avançados? Totalmente. Hoje, com a conceituação de gênero mais livre, queremos dar espaço para a mulher que se diz mulher, independente do sexo biológico. Na nossa seleção de 52 curtas para um festival, a gente fez questão de não buscar essa diversidade. A indústria do entretenimento está muito fechada no eixo Rio-São Paulo, então nós queríamos revelar mulheres de Manaus, Belém, Macapá e Goiás, por exemplo. Porque, com certeza, tem mulheres lá, fazendo coisas incríveis.

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    Hoje, quem é o público que o Hysteria atinge? Hoje, são mulheres jovens e adultas, até porque, o “feito por mulheres”, em alguns casos, pode ser interpretado como “feito para mulheres”. Mas estamos cuidando para que os nossos conteúdos falem com homens e mulheres.

    O assédio também está presente no Brasil? Acho que estamos falando de questões culturais diferentes. Na minha carreira, tive a sorte, se posso falar assim, de viver em uma indústria em que isso não aconteceu. No Brasil, em que se tem um jeito muito aberto nas relações, mais sensualizada, muito cultural nosso, há uma discussão do que é assédio. Assédio é uma sucessão de ameaças, em que a vítima claramente se mostra negando aquilo e o agressor, insistindo. Esse tipo de agressão, eu nunca vi. Até porque, na nossa indústria, se uma coisa dessas acontece, ela ganha dimensão rápido. O que eu acho que está acontecendo nos Estados Unidos é a mudança da consciência da mulher saber diferenciar o que é assédio e o que é paquera e saber, nos casos de assédio, o que ela pode fazer com aquilo. Essa conscientização é real.

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