Linguista de formação e desde cedo fascinado pela mitologia e pelos idiomas nórdicos, o inglês John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973) cunhou O Senhor dos Anéis, a mais ambiciosa, detalhada e influente fantasia do século XX, com base em um caudal de referências pessoais: a insegurança constante dos precocemente órfãos, o sentimento profundo de amparo proporcionado pelas amizades da juventude, a adoração pela natureza idílica do campo inglês e, num contraste vívido com ela, o susto com a feiura de cidades industriais como Birmingham — para onde teve de se mudar quando a mãe morreu — e o pavor das trincheiras infernais da I Guerra Mundial na região francesa do Somme, onde ele lutou. No autor e também no homem, esses fios se entrelaçaram de maneira indivisível — e refazer sua trama é a tarefa a que se propõe Tolkien (Estados Unidos, 2019), já em cartaz no país.
Seguindo a forma clássica do Bildungsroman, ou romance de formação, o filme do diretor finlandês Dome Karukoski segue Tolkien (interpretado pelo ótimo Harry Gilby e, depois, por Nicholas Hoult) desde os 12 anos, quando sua guarda passou a um padre católico (Colm Meaney), até a década de 30 — a época em que, já casado com Edith Bratt (Lily Collins) e pai de quatro filhos, começou a escrever O Hobbit como uma história para contar às crianças e também, depreende-se, para purgar os horrores e as perdas que tanto o traumatizaram na I Guerra. A paixão por Edith, órfã como ele, é o ponto ao redor do qual os tributos à imaginação de Tolkien se organizam: sincero e bonito, às vezes reverente em excesso, o filme compreende algo essencial do seu protagonista — a maneira como o autor buscou materializar, em torno de si, um mundo ideal.
Publicado em VEJA de 29 de maio de 2019, edição nº 2636
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