Marcus Marques, filho do fundador do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), ficou surpreso ao ver o termo coach, designação para um profissional que auxilia pessoas a alcançar um determinado objetivo, ser usado na novela das 9 da Globo, O Outro Lado do Paraíso, em meados de janeiro. O termo apareceu com a personagem Adriana (Julia Dalavia), advogada que se formou em coaching e pensou em usar o recurso da hipnose ericksoniana para ajudar uma cliente aparentemente desmemoriada, Duda – uma mulher que, ela descobriria depois, era na verdade a sua mãe, Elizabeth, que ela julgava morta.
Cerca de duas semanas mais tarde, o IBC fechava negócio com a Globo para a inserção de uma ação de merchandising na trama. Desde que foi ao ar, na sexta-feira passada, o merchandising do instituto vem incomodando profissionais de saúde e até mesmo outras organizações de coach, porque, na cena, o coaching aparece como “tratamento” e acompanhado de hipnose.
Para Marcus Marques, que é diretor executivo do instituto criado pelo pai, um administrador de empresas formado em coaching nos Estados Unidos, onde a profissão foi criada em 1991, a reação das redes sociais à novela é “exagerada”. “Sensacionalista”, diz. A respeito da nota do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que criticou a ação publicitária, Marcus Marques diz ter achado o texto “não tão sensacionalista”. O ponto nevrálgico é o fato de, neste momento da trama, o coaching ser empregado para ajudar uma garota que sofreu abuso sexual na infância, por parte do padrasto, Laura (Bella Piero), violentada pelo delegado corrupto Vinicius (Flavio Tolezani).
Por se tratar de um trauma psíquico profundo, Laura teve um bloqueio de memória, não se lembra do que houve e não sabe dizer por que tem problemas na cama com o marido, Rafael (Igor Angelkorte). E, exatamente por se tratar de um trauma profundo, profissionais de saúde recomendam que a menina, Laura (Bella Piero), seja atendida por um psicólogo ou por um psiquiatra, não por um coach, profissional que é indicado para ela em uma ação promocional na trama.
“Em casos de distúrbio ou trauma, concordamos que o ideal é encaminhar a pessoa para psicólogos e psiquiatras”, diz Marcus Marques, diretor executivo do IBC. “Mas a advogada Adriana ainda não sabe que a garota tem um trauma, ela apenas se propôs a ajudar a Laura com uma conversa”, se defende. “O IBC espera que ela encaminhe a menina para uma terapia, mais adiante na novela, quando perceber que a questão é séria.”
O outro elemento controverso na história é o uso de hipnose por parte da coach Adriana. A hipnose é uma atividade de livre exercício, não é restrita a uma categoria específica, mas o entendimento mais comum é de que seja utilizada por profissionais de saúde – um médico, psicólogo ou dentista que a empregue para aliviar a dor física. Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) de 2000 determina, inclusive, que os psicólogos que queiram se valer da técnica como recurso terapêutico sejam capacitados – leia-se: façam cursos específicos – para tanto.
Marcus Marques admite que a sequência em que Adriana explica à irmã e mocinha do folhetim, Clara (Bianca Bin), o que é coach, e em seguida fala em hipnose, sugere a ideia de que coachs hipnotizam pessoas, o que é questionado por psicólogos e mesmo por outros coachs, já que conduzir uma pessoa a um estado de transe requer cuidado e uma supervisão, de preferência feita por alguém que compreende a mente humana. Embora José Roberto Marques, o fundador do IBC citado em O Outro Lado, também faça hipnose, Marcus diz que os cursos do instituto não compreendem a prática.
O herdeiro do IBC defende o instituto dizendo que a Globo não submeteu a cena à instituição antes que ela fosse ao ar. “O planejamento da cena não foi realizado por nós. Não vimos a sequência antes”, afirma, antes de desmerecer a personagem, Adriana. “Se ela fosse uma coach profissional, talvez ela já devesse fazer a leitura de que há indícios de que a Laura está num campo em que ela nem deveria entrar.” O IBC, conta Marcus, só falou com a Globo sobre a cena depois da polêmica suscitada na internet, mas não para pedir qualquer mudança de rumo – “Não temos esse poder” – e sim para contribuir com a nota que a emissora divulgou nesta terça, sustentando que a novela é “uma obra de ficção”.
Marcus ainda argumenta que a hipnose ericksoniana, a usada pelo pai, é diferente da tradicional, aquela simbolizada pelo pêndulo diante dos olhos do paciente. “Não tem a ver com subjugar ou dominar o outro”, diz, repetindo a fala da personagem Adriana.
Enquanto o IBC viu na inclusão do coaching em O Outro Lado do Paraíso uma oportunidade para fazer propaganda do instituto, a Sociedade Latino-Americana de Coaching, no dia seguinte à primeira menção da prática, em meados de janeiro, enviou uma carta à Globo em que se dizia preocupada com a mistura feita entre coach e hipnose.
Para Marcus Marques, a novela está fornecendo combustível para um “debate saudável”.
Walcyr Coach
Apesar de se dizer surpreso com a inserção dos coachs na trama, Marcus reconhece que o autor da novela, Walcyr Carrasco, fez “mais de um curso” no IBC. Um dos cursos do instituto, de 180 horas, tem valor de 8.000 reais. Marcus Marques diz não saber se Carrasco foi submetido a hipnose no local.
Leia o diálogo entre Clara (Bianca Bian) e Adriana (Julia Dalavia) na cena do merchandising:
Clara: Você me disse uma vez que é coach. Eu não entendi direito.
Continua após a publicidadeAdriana: Para entender melhor: segundo José Roberto Marques, o principal coach do Brasil, a palavra coach talvez venha de coach, um meio de transporte antigo em inglês. É como levar a pessoa de um lugar ao outro, um destino desejado.
Clara: Não é uma terapia convencional, né?
Adriana: Não. O coach usa ferramentas mais rápidas. Por exemplo, se uma quer emagrecer, é possível emagrecer com conversas, exercícios.
Clara: Você disse também que é possível usar a hipnose?
Continua após a publicidadeAdriana: Sim, mas não é uma hipnose em que a pessoa faz tudo o que a outra quer, como um zumbi. É impossível. A hipnose ericksoniana é como um caminho para as memórias. Todos nós temos um segredo guardado, Clara. Às vezes, a gente passa por situações tão difíceis que esquece das coisas, é uma forma de se proteger da dor da experiência.