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Premiados em Cannes refletem tempos de intolerância

Filmes da Coreia do Sul e do Brasil, da França e da Bélgica, passando por Senegal, falam de exclusão e intensos climas políticos

Por Mariane Morisawa, de Cannes
Atualizado em 25 Maio 2019, 18h30 - Publicado em 25 Maio 2019, 17h59
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  • A presença forte do Brasil no Festival de Cannes, com um longa e uma coprodução na competição, um filme na mostra Um Certo Olhar e outro na Quinzena dos Realizadores, já seria prova da vitalidade do cinema nacional num momento de incerteza quanto aos rumos da cultura. Mas a participação brasileira foi além. Depois do Grande Prêmio, o principal da mostra Um Certo Olhar, para A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, na noite de sábado, Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, saiu neste sábado com o prêmio do júri, dividido com o francês Les Misérables, de Ladj Ly.

    Para além do Brasil, em termos gerais, foi uma boa seleção, e o júri presidido pelo cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu fez um trabalho decente de escolher os melhores. Praticamente todos os filmes tratavam da sociedade e eram, portanto, políticos em alguma medida. A exclusão social e a intolerância foram os temas centrais. Muitos dos premiados também tinham elementos de gênero – terror, western, ação. A começar pelo vencedor da Palma de Ouro, o sul-coreano Parasite (“parasita”), dirigido por Bong Joon Ho (Okja, Mother), que é quase um filme de golpe, comédia dramática e crítica social combinados com terror e ação. Cheio de camadas e reviravoltas, faz pensar e entretém ao mesmo tempo, falando sobre uma família que mora num porão e está desempregada. Um deles consegue um emprego de professor particular de inglês para uma adolescente de família rica, e logo depois sua irmã também se emprega como tutora do filho mais novo – e mais não convém contar.

    A francesa Mati Diop, uma das quatro mulheres na competição, era também a primeira mulher negra a disputar a Palma de Ouro. Saiu do Palais des Festivals com o Grande Prêmio do Júri, uma espécie de segundo lugar, com Atlantics, seu longa de estreia, filmado no Senegal, país de suas origens. Em Dacar, o personagem Souleimane (Ibrahima Traore) trabalha na construção civil, mas não recebe pagamento há meses. A única saída é pelo mar. Ele deixa para trás seu amor, Ada (Mame Bineta Sane), que está prometida para um homem rico. É nas mulheres que ficam que o filme se fixa, usando uma atmosfera de fábula, com elementos do folclore local, para mostrar seu luto.

    Les Misérables atualiza o romance de Victor Hugo Os Miseráveis para falar dos excluídos de hoje na França. Em seu primeiro longa, o cineasta Ladj Ly mostra o subúrbio de Montfermeil (onde parte da ação do livro se passa) e a relação tensa entre os jovens moradores, em sua maioria filhos e netos de imigrantes, e a polícia, especialmente depois de um dos garotos roubar um leãozinho de um circo. É cru e forte, de registro mais realista do que Bacurau, com que dividiu o prêmio – mas ambos falam daqueles desprezados por parte da sociedade.

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    Ladj Ly disse que convidou o presidente da França, Emmanuel Macron, para assistir a Les Misérables. Na coletiva de imprensa após a cerimônia, Kleber Mendonça Filho respondeu a pergunta se convidaria o presidente do Brasil a ver Bacurau: “É uma bela ideia. O filme é uma coprodução Brasil e França. Metade do dinheiro é dinheiro público brasileiro, que usamos de maneira responsável, com muito trabalho. O Sr. Bolsonaro tem todo o direito de ser convidado a ver. É capaz até de ele gostar”.

    A exclusão e a intolerância também são tema de Young Ahmed (“jovem Ahmed”), dos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, que no passado venceram a Palma de Ouro duas vezes, além de um Grande Prêmio do Júri e um troféu pelo roteiro. Desta vez, foram eleitos pela direção. O filme trata de um problema sério na Europa e em outras partes do mundo: a radicalização de jovens. Aqui, no caso, o adolescente Ahmed começa a frequentar uma mesquita e a ficar cada vez mais intolerante, disposto a cometer atos de violência. É um tema delicado, tratado com sensibilidade pelos irmãos Dardenne.

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    Como disse o presidente do júri, os cineastas respondem ao tempo em que vivem, e o Festival de Cannes em 2019 comprova a tese.

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