Era uma tarde de outono em Pompeia quando Plínio, o Jovem, viu uma nuvem imponente emergir sobre o Monte Vesúvio, localizado na atual região de Nápoles, no sul da Itália. Mais tarde, após escapar da fúria do vulcão, ele escreveria um dos únicos relatos da tragédia que matou mais de 16 000 pessoas no ano de 79 a.C.: “Todos se convenceram de que era chegada a última noite de suas vidas, a noite eterna que haveria de sepultar o mundo”. O planeta seguiu seu curso, mas Pompeia, não: engolfados por uma nuvem letal de gases enquanto cumpriam tarefas cotidianas, os habitantes foram enterrados, junto com toda a cidade, sob camadas de escombros e cinzas vulcânicas que esconderam sua existência por mais de um milênio.
No século XVIII, com escavações na região, Pompeia reemergiu de seus escombros surpreendentemente preservada. No processo, descobriu-se um rico acervo de afrescos que decoravam o interior das casas da cidade e da vizinha Herculano, também destruída pelo vulcão. Agora, 100 dessas pérolas históricas são resgatadas em uma magnífica exposição no Museu Arqueológico Cívico de Bolonha, no norte da Itália. Em cartaz até março de 2023, Os Pintores de Pompeia coloca em foco os artistas responsáveis pela decoração das moradas romanas, figuras pouco exploradas pela história da arte e que seguem anônimas até hoje. “Não temos nomes de pintores, mas conseguimos entender a posição social que eles ocupavam”, explicou o curador Mario Grimaldi a VEJA.
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De fato, quase nada se sabe sobre esses artistas e suas criações: uma única assinatura foi encontrada, com o nome de Lucius Pinxit. Todas as demais obras são de autoria desconhecida. A ausência da rubrica é um indício forte de que eles não desfrutavam do mesmo prestígio dos pintores gregos, descritos como “propriedades do universo” por Plínio, o Velho — tio-avô do famoso cronista e, este sim, morto na erupção do Vesúvio.
A visão de tais artistas como trabalhadores habilidosos, mas comuns, é fruto da posição social que ocupavam. “Pintar era um trabalho de homens libertos, escravos, mulheres e pessoas incapazes de participar da vida política ou militar”, diz Grimaldi. Assim, os pintores de Pompeia eram tidos só como exímios artesãos. No dia a dia, desempenhavam o papel de decoradores. Isso, no entanto, não era um atestado de pobreza. Os contratos entre os pintores e seus clientes apontam que alguns recebiam quantias significativas pelo trabalho, e chegavam a arcar com o próprio material.
Pompeia: A vida de uma cidade romana
A exposição, inclusive, reúne não apenas as pinturas, mas também os elementos utilizados em sua confecção. Entre as peças há copos ainda coloridos pela tinta de 2 000 anos atrás, esquadros, compassos e rascunhos das obras. A mostra reproduz os salões de Pompeia tal e qual eram na época romana — com os afrescos alocados na posição que ocupavam originalmente nas casas. Registros do cotidiano e de crenças religiosas locais, as pinturas se revelam uma janela aberta para os costumes daquela civilização. O imponente afresco Três Graças retrata as deusas que simbolizam a feminilidade, enquanto outra imagem ilustra a atividade dos filósofos.
Ironicamente, a incrível conservação das obras dificilmente aconteceria sem o fim trágico da cidade. Pintado sobre o gesso, o afresco desbota gradualmente com a exposição à luz e ao ar. Protegidas pelos restos vulcânicos, as peças de Pompeia permaneceram intactas — e renasceram das cinzas para encantar o mundo.
Publicado em VEJA de 7 de dezembro de 2022, edição nº 2818
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