Quando Rosalía Vila Tobella tinha apenas 6 anos, seu pai lhe pediu que entoasse uma canção durante um jantar em família. De olhos fechados, a garotinha então soltou sua voz para interpretar uma música típica da Catalunha, sua região de origem na Espanha. Ao reabri-los, a emoção: ela percebeu que todos à sua volta estavam com os olhos cheios de lágrimas. Naquele momento, recordaria a jovem mais tarde, ela percebeu que cantar era o que queria fazer na vida. Pois seus desejos foram atendidos: hoje aos 29 e conhecida simplesmente como Rosalía, a cantora é o maior produto de exportação pop da Espanha. Com três discos lançados, já ganhou um Grammy e oito prêmios Grammy Latino, além de acumular 20 milhões de seguidores no Instagram e 4 bilhões de visualizações de vídeos no YouTube.
Para além dos números, Rosalía revela-se a cara do novo pop global: mantém uma conexão forte com suas raízes espanholas, mas não abre mão de mesclá-las com o arsenal de ritmos em voga no streaming, do hip-hop ao trap. E o faz com um grau de personalidade que falta a outras cantoras com altas aspirações internacionais, mas musicalmente genéricas, como a brasileira Anitta. Rosalía incorpora em seus discos o flamenco, inconfundível ritmo cigano do sul da Espanha, mas lhe confere um banho de modernidade ao cruzá-lo com sons eletrônicos. A experimentação nos figurinos dos clipes e shows completa o pacote arrojado — e faz a artista passar longe do padrão das dançarinas de castanholas.
O terceiro álbum de Rosalía, Motomami, lançado em março, leva essa receita ao ápice. Gravado em Nova York, o disco mantém sua aposta em um flamenco rejuvenescido em faixas como Sakura e Bulerías, mas há espaço até para o jazz, como na surpreendente Saoko. É como se a latinidade de Shakira se fundisse ao apelo dançante de Madonna, com um toque caliente de Almodóvar (ela fez uma ponta, aliás, no penúltimo filme do diretor, Dor e Glória). Uma mistura que seduziu e rendeu parcerias com Billie Eilish e Björk. Madonna tentou contratar Rosalía para cantar em sua festa de aniversário no Marrocos, em 2019, mas a negociação não foi para a frente porque o cachê era muito alto (mais de 3 milhões de reais). “Eu a admiro porque, em um mundo cheio de estrelas pop que soam iguais, sinto que ela é verdadeiramente única”, rasgou-se Madonna, apesar da esnobada.
Atualmente, Rosalía vive entre Manresa, na Catalunha, onde comprou uma mansão, e Miami, onde divide a casa com o namorado, o cantor porto-riquenho de reggaeton Rauw Alejandro. Talvez sua maior ousadia seja fazer questão de cantar em espanhol — o que transforma seu êxito em um retrato dos novos tempos da música, já que isso seria impensável para triunfar nas paradas nos Estados Unidos até alguns anos atrás.
Curiosamente, a única oposição que a artista parece enfrentar é o fogo amigo vindo da própria Espanha. O fato de uma artista catalã — região separatista com idioma e cultura peculiares — cantar o tradicionalíssimo flamenco nascido na Andaluzia gera estranheza (mal comparando, seria como se um grupo paulista de axé estourasse nas paradas) e tem causado calorosas discussões sobre como Rosalía estaria fazendo algum tipo de expropriação cultural. Mas as picuinhas não a abalam. Atualmente em turnê internacional, a artista anunciou um show único no Brasil, em 22 de agosto, no Espaço das Américas, em São Paulo, e o primeiro lote de 4 000 ingressos se esgotou em minutos. A música, definitivamente, não tem mais fronteiras.
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788
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