Em meados de 2019, meses antes da pandemia, o cineasta americano Zack Snyder promovia o uso profético de uma arma hoje bem conhecida: aqueles termômetros em forma de pistola. Mas para detectar um tipo peculiar de, digamos, patologia. Nos personagens da superprodução que ele então filmava, alta temperatura corporal era sinal de saúde. Sangue frio, ao contrário, indicava a presença de “contaminação” — um zumbi. No cenário que reproduzia os cartões-postais de Las Vegas, Snyder se divertia a valer: além de dirigir, desdobrava-se como cameraman e iluminador em meio aos mortos-vivos. Em Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, longa que estreia no dia 21 na Netflix, mercenários enfrentam um exército deles. Conjugando atmosfera sombria com sangue, pancadas e transpiração intensa no set, a trama não deixa dúvida: está-se no mundinho do novo guru do cinema para “machos nerds” em Hollywood.
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Se os arrasa-quarteirões juvenis de super-heróis e ação se tornaram os raros gêneros capazes de levar multidões às salas de exibição nos últimos anos, mais rara ainda é a possibilidade de uma grife autoral impor-se nesse mercado dominado não por indivíduos, mas por franquias e estúdios como a Marvel. Pois Zack Snyder chegou lá. Ele fez fama com filmes violentos com um assumido pé no kitsch e pitadas filosóficas, como 300 e Batman vs Superman. É amado por uns com fervor religioso e odiado por outros na mesma medida. Mas fato é que suas produções somam 3,3 bilhões em bilheteria global e produzem impressionante algaravia nas redes sociais, nas quais seus fãs debatem teorias sem fim.
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No apagão do cinema na pandemia, Snyder não se fez de rogado: invadiu o streaming. Lançou recentemente uma nova versão da Liga da Justiça no serviço HBO Max, da HBO. Agora, desembarca na Netflix — que investiu respeitáveis 90 milhões de dólares em Army of the Dead. “Eu não abriria mão da chance de ser visto pelos 200 milhões de assinantes da Netflix”, disse a VEJA em entrevista exclusiva pelo Zoom (leia aqui).
Snyder é conhecido como um diretor de tons exagerados e filmes musculares — e essas características se revelaram eficientes, sobretudo, ao traduzir histórias em quadrinhos para a tela. Em seu primeiro sucesso, Madrugada dos Mortos (2004), ele empreendeu uma reinvenção do sucesso homônimo feito nos anos 1970 pelo mestre das tramas de zumbis George A. Romero. Nos anos seguintes, burilou suas marcas como cineasta em produções de super-heróis da DC Comics, a eterna rival da Marvel. Nelas, a superioridade dos poderosos é posta em xeque: heróis como Batman e o Super-Homem são criaturas traumatizadas e culpadas por seus atos.
Com sua horda de zumbis, Army of the Dead marca o retorno de Snyder ao tema que o revelou. Mas não só: significou também seu retorno ao set após uma fase de tormentos. Em 2017, ele abandonou a produção do Liga da Justiça, que reúne os super-heróis da DC, por divergências criativas com a Warner, que buscava uma pegada mais cômica para fazer frente à solar Marvel. Ao mesmo tempo, Snyder encarava a inominável dor do suicídio da filha Autumn, de 20 anos. “Foi um período difícil. Na pandemia, o trabalho me manteve forte”, diz ele, hoje aos 55 anos. Os fãs fizeram campanha para que a Warner lançasse a versão de Snyder da Liga. O estúdio cedeu, pagou 70 milhões de dólares ao diretor, e ainda batizou a edição de quatro horas de duração de Zack Snyder’s Justice League — um êxito certeiro.
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A resignação da Warner com Snyder é antiga. O início da parceria data de 2006, quando o cineasta conquistou sua primeira bilheteria estrondosa com 300, em que o conflito entre espartanos e persas virou um espetáculo de abdômens trincados. Mas a relação esfriou após as críticas ruins recebidas por suas adaptações da DC Comics. Os feitos de Snyder, porém, ainda superam com folga seus tropeços.
Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737
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