“Chanel Nº 5”, respondeu Marilyn Monroe quando um jornalista lhe perguntou, capciosamente, o que usava para dormir, em célebre entrevista de 1952. Marilyn tinha 25 anos e talvez não fizesse ideia da força da sua declaração, mas o fato é que a frase (e suas múltiplas versões posteriores) entrou para a história — assim como o perfume, que no próximo maio celebra 100 anos de lançamento e uma aventura inigualável, o aroma de nosso tempo.
A fragrância do mítico perfume francês tem uma narrativa tão fascinante quanto a de Marilyn e tão extraordinária quanto a de quem a concebeu, a lendária estilista Gabrielle Chanel, apelidada de Coco. Nascida de família humilde no interior da França em 1883, ela mal chegara aos 26 anos quando se mudou para Paris, em 1909. Pouco mais de uma década depois, nos efervescentes anos 1920, os “anos loucos”, já era um fenômeno da alta costura. Contudo, para além do mundo da moda, Chanel tinha outra ambição: lançar uma fragrância que fosse adequada à mulher moderna, que vinha ganhando cada vez mais espaço na conservadora sociedade europeia.
Um dos requisitos de Coco era que o perfume tivesse notas limpas e refrescantes, que remetessem a seu tempo de vida rural, sem ser provinciano. Naquela época, o melhor modo de desenvolver um aroma com esse frescor era usando frutas cítricas. Mas os químicos, embora fossem capazes de isolar a essência, não conseguiam impedir que ela ficasse concentrada demais para ser usada. A independente estilista decidiu então buscar ajuda.
Ela procurou Ernest Beaux, perfumista que havia trabalhado para a família real russa e que vivia no centro da indústria de perfume, na cidade de Grasse. Aceito o desafio proposto pela empresária, Beaux, depois de alguns meses, apresentou um conjunto de frascos numerados para que ela experimentasse. Chanel escolheu o frasco 5 e gostou tanto dele que decidiu ficar também com o número. O resto é história.
O Nº 5 atravessou um século, ganhando fama por sua qualidade, o envolvimento de lindas mulheres com o produto e muito zelo pela marca (a partir de 1 150 reais o vidrinho de 100 ml). Até hoje não se sabe se a declaração de Marilyn foi tão espontânea quanto pareceu, uma vez que, pouco depois, ela posou insinuando nudez com um frasco do icônico perfume ao lado da cama (é a foto que abre esta reportagem e que não foi impressa à época). Catherine Deneuve, cuja beleza é símbolo do cinema francês, foi o rosto de Chanel Nº 5 de 1969 a 1979 — nesse caso, sob contrato, assim como é com a modelo Gisele Bündchen. Todas essas mulheres, belas e talentosas, têm mais zelo com a própria imagem do que Coco, que teve sua reputação arranhada por uma suposta colaboração com os nazistas na invasão de Paris em 1940. Tão fascinante quanto o perfume que criou, Chanel viveu 87 emocionantes anos. Sua criação sobreviveu a ela.
Publicado em VEJA de 7 de abril de 2021, edição nº 2732