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‘O Brasil olha demais para Europa e EUA’, alfineta cineasta em Cannes

Beatriz Seigner apresentou na França 'Los Silencios', sobre colombianos deslocados no Brasil que vivem traumatizados pela perda de um parente em guerrilha

Por agência France-Presse
Atualizado em 11 Maio 2018, 19h11 - Publicado em 11 Maio 2018, 19h10
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  • A diretora brasileira Beatriz Seigner considera o cinema uma janela para o exterior, e com Los Silencios, exibido nesta sexta-feira em Cannes, ela viaja a uma ilha amazônica onde os colombianos “vivem” com seus mortos pelo conflito.

    Depois de ter rodado a primeira coprodução Índia-Brasil com Bollywood Dream (2010), que participou de mais de vinte festivais, Seigner explora, com um olhar de documentarista que não abre mão da magia da ficção, um território muito mais próximo, mas nem por isso mais familiar.

    “O Brasil olha demais para Europa e Estados Unidos, e ignora a realidade dos próprios vizinhos”, disse, ao falar sobre seu filme, selecionado para a mostra paralela Quinzena dos Realizadores.

    A diretora admite que foi a primeira a ficar surpresa: quantos colombianos deslocados no Brasil vivem traumatizados pela perda de um parente durante o conflito com a guerrilha das Farc?

    “Os colombianos são a segunda comunidade de imigrantes em nosso país. Pesquisei, entrevistei quase 80 famílias e percebi a amplitude do fenômeno”, disse.

    Ao mesmo tempo que o governo e as Farc iniciavam em 2012 um delicado processo de paz, Seigner imaginava seu filme, focado no luto, o capítulo mais insuportável de meio século de conflito.

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    Fantasmas

    Na chamada “ilha da fantasia”, um pequeno território alagado parte do ano e situado na fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, Seigner encontrou seus protagonistas. Nesta terra de ninguém, deslocados pelo conflito chegaram durante anos para começar do zero, criando uma comunidade solidária e que chora por seus mortos… convivendo com eles.

    Como é possível continuar vivendo depois do assassinato de um parente querido? Beatriz Seigner mostra o sofrimento com a história de Amparo (Marleyda Soto), uma mãe que desembarca na ilha com os dois filhos. Na localidade, a família conviverá com o marido e pai (Enrique Díaz), desaparecido.

    “Muitos colombianos, enquanto não encontram o corpo, seguem vivendo como se a pessoa estivesse viva: servem comida na mesa, pedem conselhos. É uma maneira de manter a esperança e lidar com a perda”, diz.

    Assim, de modo paralelo à luta diária para encontrar um emprego, educar os filhos e recompor os laços sociais, Amparo e os demais moradores lidam com seus “fantasmas”. Além dos dois atores, o restante do elenco é formado por moradores da região e muitos interpretam os próprios papéis, da avó até o presidente da comunidade. “Tudo é real na ilha da fantasia”, afirma Seigner.

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    Catarse

    Para uma das cenas mais sensíveis e difíceis, a cineasta reuniu guerrilheiros, paramilitares e parentes de vítimas, todos de luto. O resultado foi uma catarse.

    “Queria que se expressassem. Perguntei se poderiam perdoar. Para muitos isto é impossível, mas alguns se perguntam pelo menos sobre como conviver. Admiro os colombianos porque fazem estas perguntas”, destaca Seigner.

    Los silencios recebeu o apoio do “Cine en construcción”, uma iniciativa dos festivais de San Sebastián e Cinelatino de Toulouse que ajuda filmes na fase de pós-produção.

    Para o próximo trabalho, Beatriz Seigner vai seguir o mesmo caminho: ela filmará no oeste da África um documentário sobre os griots, contadores de histórias e mediadores de conflitos.

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