Aos 9 anos, o americano Neil deGrasse Tyson teve um baque ao visitar pela primeira vez o Planetário Hayden — espaço de celebração dos astros pertencente ao Museu de História Natural de Nova York. Ele descreveria o impacto da experiência em termos místicos: “Percebi que o universo me escolheu”. Dali em diante, Tyson já tinha clareza do que queria ser na vida: astrofísico. Mas um professor da escola pública em que estudava, no subúrbio do Bronx, tentou demovê-lo. “Por que você quer se meter com a ciência? Não há negros na área. Que tal tentar o esporte?”, questionou, apontando um dos únicos caminhos para cidadãos como Tyson nos Estados Unidos dos anos 60. A Nasa, agência espacial do país, só passou a aceitar negros em seu quadro de cientistas em 1963, lembra ele em Respostas de um Astrofísico, livro que traz sua troca de mensagens com pessoas comuns recém-lançado no país pela editora Record. Quando Tyson se formou astrofísico, era o sétimo negro em uma categoria com 4 000 profissionais. “Sabia que não seria bem-vindo em muitos setores. Mas, enquanto pudesse ter sonhos, eu continuaria na luta”, disse em entrevista por vídeo a VEJA (leia aqui).
O mapa das constelações mudou desde então. A Nasa hoje é exemplo de respeito à diversidade. Tyson não só floresceu na profissão como comanda sua grande fonte de inspiração: há vinte anos é o diretor do Planetário Hayden. Sua influência vai muito além. Ele construiu uma carreira respeitada: foi conselheiro — que ironia — da Nasa e da política de exploração espacial americana na gestão de George W. Bush. Mas é, sobretudo, um astrofísico pop. Tornou-se habitué de atrações da TV americana, do The Daily Show a uma participação em Os Simpsons. Anos atrás, a DC Comics o convidou para imaginar o sistema onde se encaixaria Krypton, planeta que é o carma do Super-Homem — e fez dele personagem do gibi do super-herói. Mas foi com a nova versão de Cosmos, série clássica conduzida por Carl Sagan nos anos 80, que Tyson se consagrou de vez, impondo-se como sucessor natural do mais conhecido rosto da área, morto em 1996.
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Como atesta a superproduzida versão atual de Cosmos, lançada em 2014, Tyson comunga com Sagan a capacidade de traduzir em linguagem simples teorias complexas sobre buracos negros e afins. Sagan fazia sua alquimia com base numa erudição combativa. No caso de Tyson, a chave para a empatia é sua falta de pudor em sacar da cultura pop. “Quero mostrar às pessoas os fenômenos extraordinários do universo por meio das coisas que lhes são familiares”, afirma.
CONEXÃO POP – O cientista no gibi do Super-Homem: ele imaginou como seria o sistema planetário de Krypton -Ao tratar de questões conceituais da astrofísica, ele exibe a mestria de um comunicador calejado. Tyson, de 62 anos, conquistou evidência ao corrigir publicamente deslizes na representação do espaço no cinema. Desancou a cena de Titanic em que Leonardo DiCaprio e Kate Winslet observam as estrelas apaixonados — a configuração do céu não teria nada a ver com a visão de verdade naquela data e local. Em 2012, ao lançar nova versão do filme, o cineasta James Cameron corrigiu o erro. Tyson ampliou sua fama ao apresentar, em 2000, no início de sua gestão no Hayden, uma recriação do sistema solar só com oito planetas — ele “despromoveu” Plutão, por considerá-lo um planeta-anão, o que viria a ser corroborado pela ciência.
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O lance de Plutão expõe a distância que separa a divulgação científica dos tempos de Sagan da de Tyson: ele enfrenta haters, negacionistas e fundamentalistas das redes sociais. Como se constata em mensagens despudoradas reunidas no livro, há doidos que não aceitam o rebaixamento de Plutão. Tyson centra suas forças, mais que tudo, na tarefa de reafirmar a ciência em meio às fake news e ao obscurantismo. No currículo fora de série, a única mácula é uma acusação de assédio sexual. Casado e pai de dois filhos, Tyson enfrentou em 2018 um processo que correu em sigilo. “Tudo o que posso dizer é que houve uma investigação transparente”, declara. Considerado inocente, escapou de perder o emprego no planetário. O universo conspira realmente a seu favor.
Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712
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