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“Não há livros fáceis”, diz professor responsável por nova tradução da Bíblia

O português Frederico Lourenço comenta os desafios da empreitada e a beleza de alguns livros presentes no Antigo e no Novo Testamento

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 14 set 2024, 08h00
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  • Qual foi a etapa mais árdua nessa jornada de transpor a história bíblica para o nosso idioma? Uma coisa é certa: não há livros fáceis na Bíblia. São todos muito diferentes e cada um coloca seus desafios, que nem sempre são linguísticos. No caso do Antigo Testamento grego, há uma certa homogeneidade na linguagem por se tratar de uma versão feita numa fase específica da história da língua grega, o chamado período helenístico. Penso que os biblistas que trabalham com o texto hebraico (boa parte do Antigo Testamento foi escrita nessa língua e depois vertida para o grego) sentirão maiores diferenças nos livros do Antigo Testamento. No caso do Novo Testamento, as diferenças no texto são perceptíveis de livro para livro. Os quatro Evangelhos, de um modo geral, são mais simples na sua expressão, mas as cartas de Paulo e as duas de Pedro parecem-me escritas em um grego mais complexo.

    Mas qual seria o texto mais desafiador? Se eu tivesse de escolher o livro em grego mais difícil da Bíblia, eu diria que é a Carta aos Hebreus. É um texto complicado de ler e compreender, e, para meu gosto, não tem a beleza de outros livros do Novo Testamento. Os campeões em beleza são os quatro Evangelhos.

    Entre os Livros Sapienciais, recém-­publicados no país pela Companhia das Letras, o que podemos encontrar de tocante ou surpreendente? O meu preferido entre eles é, sem dúvida, Eclesiastes. Considero um dos textos mais extraordinários da história da humanidade. A lucidez e o realismo com que se observa a vida humana têm uma profundidade filosófica que estimula ainda hoje à reflexão. Gosto muito de outros livros mais recentes na tradição judaica, como o livro de Sabedoria e os Salmos de Salomão, escritos no final do período helenístico. Os Salmos propriamente ditos também contêm passagens magníficas. Depois há aquele enigma dentro do Antigo Testamento, que é o Cântico dos Cânticos: um texto sobre o amor erótico que, apesar disso, suscitou inúmeras leituras alegóricas que procuram anular sua característica sensual.

    O senhor também traduziu os clássicos de Homero. Existem grandes diferenças em relação ao trabalho com a Bíblia? A Ilíada e a Odisseia foram compostas num grego extremamente artificial. No fundo, é uma língua que foi sendo inventada por gerações de poetas orais para se adequar ao verso épico. Não é um grego que alguma vez tenha se falado. Encontrar uma maneira em português de sugerir seu perfume poético foi para mim o maior desafio. No caso da Bíblia, o texto encontra-se de forma homogênea no grego que era falado no período helenístico — era o idioma internacional, a “língua comum”. Então o grego que lemos na Bíblia é mais natural, digamos assim. E tem, pelo menos para mim, uma beleza poética que, ainda sendo diferente, não é menor do que a de Homero.

    Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910

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