Eu descobri na infância que era engraçada. Usava esse talento como uma ferramenta para me enturmar. Eu era alta, magra, esquisita para os padrões da época. Absolutamente ninguém prestava atenção em mim. Isso mudou quando comecei a soltar piadinhas e consegui a fama de “engraçada”. Foi meu jeito de conquistar amigos, uma turma, e até namorados. Agora, na terapia, entendi que era uma técnica de sobrevivência. Então nunca imaginei que me tornaria uma comediante. Meu plano era fazer medicina, engenharia genética. Televisão, para mim, era coisa que a filha de alguém importante fazia. Depois de passar pelas faculdades de arquitetura e de história é que descobri o curso de teatro. Entrei tarde na Escola de Arte Dramática da USP, aos 27 anos. Ali encontrei as pessoas que são como eu. Achei meus loucos, os desajustados. A sala de espera da diretoria, sabe? No teatro, eu me voltei para a comédia, e lancei com um grupo a peça As Olivias — que depois virou websérie e chegou à TV. Daí em diante, não parei mais.
Durante boa parte da minha vida, lidei com a dita “síndrome do impostor”, que costuma acometer mulheres. Não achava que eu era boa o suficiente. A comédia é um ambiente muito machista, que, ainda bem, tem mudado. Mas, quando comecei, tive de enfrentar pensamentos do tipo “Você nem é tão bonita para interpretar a gostosa, nem tão feia para ser alvo de chacota”. Então eu ficava num limbo. Hoje, não sinto mais isso — resultado do amadurecimento e, de novo, muita terapia. As mulheres sofrem tantas exigências: você tem de ser bonita, pode ser engraçada até certo ponto, tem de se comportar a partir de tal idade. Isso nos leva a perder parte da nossa identidade, a qual recuperei depois dos 40. Agora, faço e digo o que quero.
Teve uma época em que trabalhei em um programa de humor chamado É Tudo Improviso, na Band. Éramos três roteiristas fixos (duas mulheres e um homem) e dois rotativos, que eram sempre homens. Quando sugerimos que chamassem um homem e uma mulher, ouvimos da direção: “Aí não dá, é muita mulher, e o programa vai falar só de coisas femininas”. Então ter três homens sempre não era ter muito homem? Humor é humor. Tanto que 60% do público que assiste ao programa que eu apresento no canal Comedy Central, o A Culpa É da Carlota, são homens. Ao longo da carreira, percebi que esse preconceito contra mulheres no humor está mais na linha de produção do que na plateia.
Na época em que fizemos As Olívias, recebemos elogios desde o Fernando Meirelles até de um assaltante (juro que essa história é verdade!). Uma das minhas colegas sofreu um sequestro-relâmpago e foi reconhecida pelo sequestrador, que disse: “Ow, seu programa é maior engraçado, dou muita risada”. É isso aí, todos podem rir do humor dito feminino: dos intelectuais aos bandidos. Mulher é engraçada, sim. Quem diz o contrário, em pleno 2020, segue um paradigma ultrapassado, não cola mais. A métrica, na verdade, é: esse humor é bom ou ruim?
Uma prova é olhar para o passado. Lucille Ball, de I Love Lucy; Regina Casé e Claudia Raia, na TV Pirata; a louca da Dercy Gonçalves, todas faziam humor com excelência. Amo essas mulheres que romperam tantas barreiras lá atrás. Agora, trilho por esse caminho. Posso dizer que, com a idade, fiquei mais engraçada e muito menos preocupada com a opinião alheia. E isso faz toda a diferença. Tenho mais bagagem, o que ajuda muito na hora de fazer comédia. Por tanto tempo a mulher foi obrigada a se encaixar em padrões de idade e beleza, e até de humor, por isso hoje considero um ato político o fato de o meu programa ter no palco cinco mulheres, com mais de 40, rindo de temas que são tabus, como sexo e maternidade. E isso não tem volta.
Cris Wersom em depoimento dado a Raquel Carneiro
Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717