Quando o vídeo de Charlie mordendo o dedo do irmão mais velho caiu na internet, em 2007, o Facebook e o Twitter ainda engatinhavam e o Instagram nem sequer havia nascido. Batizado como Charlie Bit My Finger (Charlie mordeu o meu dedo), o vídeo dos irmãos ingleses foi um dos precursores dos famigerados memes, que hoje dominam as redes sociais. Passaram-se catorze anos e, quem diria, o pueril vídeo cômico familiar foi arrematado por cerca de 4 milhões de reais (770 000 dólares) em um leilão no último final de semana. Isso se deu graças à popularização dos NFT, tecnologia que permite criar certificados e comercializar arquivos digitais – entre eles os famosos memes, que ganharam – acredite – status de obra de arte no mercado.
A lista encabeçada por Charlie é polpuda, e apenas cresce. Em abril desse ano, Zoe Roth, que foi alçada a símbolo cultural (!?) com sua imagem sorrindo em frente a uma casa incendiada, também transformou a fama acidental em dinheiro: Disaster Girl foi vendida por 500 000 dólares a um estúdio de Dubai chamado 3F Music, o mesmo que arrematou a mordida de dedo de Charlie. Unem-se ao movimento memes conhecidos da internet, como o gif do “gato-torrada”, que deixa um rastro de arco-íris no espaço, vendido em fevereiro por 450 000 dólares, o ruivo Bad Luck Brian e o gatinho rabugento Grumpy Cat – que embolsaram, respectivamente, 37 000 dólares e 80 000 dólares.
O NFT funciona como espécie de código de barras que é atrelado a uma obra a fim de garantir sua originalidade e caráter único. O código é chamado de tolken, e é comercializado por meio de criptomoedas em leilões digitais. Além do valor nominal, o criador recebe 10% sobre qualquer transação futura – a lógica é similar ao direito dos clubes formadores no futebol: toda vez que o Neymar é vendido, o Santos abocanha uma porcentagem do valor, coisa que também acontece com o autor do NFT a cada revenda.
No caso dos memes, esse mecanismo permite lucrar com uma fama muitas vezes involuntária, e que nem sempre garante retorno financeiro. “É uma forma que as pessoas encontraram de se remunerar pelo meme”, explica Victor Armellini, sócio da NFTrend, empresa especializada na emissão de NFTs. E a remuneração é bem-vinda: Howard Davies-Carr, o pai das então crianças de Charlie Bits My Finger, declarou à CBS que o dinheiro da venda vai garantir que Harry, o garoto que teve o dedo mordido, “vá para a universidade e tenha um bom lugar para ficar sem precisar trabalhar em um bar”. O destino é o mesmo de parte da arrecadação de Disaster Girl, divida entre as dívidas estudantis de Zoe Roth e uma instituição de caridade, conforme contado por ela ao New York Times.
Segundo Victor, o mercado dos NFTs ainda caminha a passos bambos no Brasil, mas está em ascensão. “A maioria da nossa plataforma é de artistas digitais e fotógrafos, mas, com os memes movimentando valores muito altos lá fora, o pessoal começou a procurar a gente por eles também.” Ele explica ainda que as artes digitais tendem a se tornar itens colecionáveis, o que pode ser uma forma de investimento. “Você pode comprar vários a longo prazo e montar uma carteira de memes famosos que pode ser vendida no futuro.”
Outro ponto importante é que a compra de um meme NFT, com raras exceções, não impede que o conteúdo siga circulando nas redes. Victor compara a compra com a de um CD: você é dono daquela edição, mas as músicas seguem tocando nas rádios normalmente, para que todos ouçam. O que significa que as risadas seguem garantidas nas redes sociais.
Confira o vídeo de Charlie Bit My Finger: