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A VEJA, Lagerfeld falou sobre casamento gay, língua portuguesa e até Dilma

O estilista que morreu nesta terça, 19, estrelou a seção de entrevistas da edição de 27 de fevereiro de 2013

Por Mario Mendes
Atualizado em 19 fev 2019, 12h17 - Publicado em 19 fev 2019, 11h50
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  • Morto na manhã desta terça-feira (19), o alemão Karl Lagerfeld tornou-se o estilista mais poderoso do planeta ao assumir a tradicional Chanel em 1982. A casa de alta-costura, até então uma “bela adormecida” segundo definição de Lagerfeld, retomou seu status sob a batuta do diretor criativo. Karl também desenhava coleções para a Fendi e mantinha uma marca própria até sua morte.

    VEJA publicou uma entrevista com ele na edição de 27 de fevereiro de 2013. Em conversa com o jornalista Mario Mendes, em Paris, Lagerfeld falou sobre casamento gay, o status de “arte” para a moda e até o guarda-roupa de Dilma Rousseff.

    Leia a entrevista abaixo:

    “Na moda, há que ser oportunista”

    Aos 79 anos, o estilista mais famoso do mundo não pensa em aposentadoria: desenha catorze coleções por ano e diz que é tudo questão de se manter curioso e informado

    O alemão Karl Lagerfeld é da mesma geração de Yves Saint Laurent. Mas, ao contrário do gênio torturado, morto em 2008, ele não é festejado por ter promovido revoluções como vestir as mulheres com roupas masculinas ou fazê-las migrar dos trajes sob medida para o figurino prático pronto para vestir. Sua expertise é outra: subverter a elegância tradicional com toques atuais. Foi isso que o fez brilhar ao assumir como diretor criativo da Chanel, em 1982, quando a marca criada no início do século passado, segundo ele, não era mais que uma “bela adormecida”. Sob o domínio de Lagerfeld, o casaco do tailleur de mademoiselle passou a ser usado com jeans, as correntes foram parar na jaqueta de motoqueiro e a camélia apareceu espetada com alfinete em uma camiseta punk – e a Chanel acordou de um sono profundo para se tornar a marca mais desejada do mundo, e Lagerfeld, o estilista mais poderoso do planeta. O “Kaiser”, como é conhecido, também desenha coleções para a italiana Fendi há 47 anos e mantém sua própria etiqueta. Ele não confirma, mas em setembro completa 80 anos, sem planos de aposentadoria. Anda ocupadíssimo com projetos paralelos, assinando o visual de hotéis, móveis, relógios e interiores de automóveis. Em março, lança sua primeira parceria com uma empresa brasileira, para a qual desenhou calçados de plástico. Lagerfeld recebeu VEJA em seu Q.G. na Rue de Lille, em Paris. Falando em ritmo de metralhadora, em inglês perfeito salpicado de francês, ele se revelou um misto muito bem-humorado de estilista, pop star e vilão de desenho animado.

    Uso preto porque é mais fácil. Mas gosto de cor-de-rosa e azul. O que eu evito é misturar cores, para não parecer uma arara

    Karl Lagerfeld
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    No filme Zoolander, de 2001, uma sátira ao mundo da moda, o senhor foi retratado como um vilão internacional conspirando para controlar o mundo. Por que a moda é frequentemente vista como uma força do mal? Porque existe a crença de que é uma profissão fácil demais, na qual as pessoas trabalham pouco e ganham muito. Na verdade, não me importo que se pense assim. É mais divertido parecer malvado do que angelical.

    E qual é a importância da moda? Sei que o que faço é importante porque todo mundo precisa vestir alguma coisa pela manhã para sair de casa.

    O senhor se considera o inventor do cargo de diretor criativo na moda, desde que foi contratado pela maison Chanel nos anos 80? Eu diria que estabeleci um padrão de trabalho. A Chanel naquela época era uma bela adormecida, e eu usei elementos conhecidos da marca, como o tailleur, o tweed e a camélia, para renovar e ao mesmo tempo preservar seu estilo. Estou na Chanel desde 1982 e desenho coleções para a Fendi há 47 anos. Mas, como não gosto de aniversários, esqueça tudo isso.

    Qual a fórmula para se manter no topo por tanto tempo? É muito fácil trabalhar comigo. Tenho boas ideias, sei dirigir minha equipe, não crio problemas e coloco os interesses da empresa antes dos meus. Sou a pessoa certa para esse tipo de trabalho. Você pode não acreditar, mas não tenho problemas de ego. Minha mãe me ensinou que, se você é honesto consigo mesmo, sabe todas as respostas. Por isso, não tenho o desejo de ser o centro das atenções. Para mim, é natural estar em um palco.

    Costuma-se dizer que foi a pressão das companhias por resultados que teria provocado o colapso de John Galliano e o suicídio de Alexander McQueen. O que o senhor tem a dizer sobre isso? Eu suporto as pressões. E não tenho pena das supostas vítimas da indústria, porque eles não estavam condenados a trabalhos forçados. Eles aceitaram aqueles cargos. Não sou contra quem gosta de noitadas ou de encher a cara. Mas, se você quer fazer isso, não assuma uma responsabilidade desse porte. Uma corporação não está lá para ajudá-lo. É você quem tem de colaborar com a companhia. Tom Ford trabalhou para Gucci e Yves Saint Laurent e nunca se lamentou nem sucumbiu. Ele foi demitido, o que é bem diferente.

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    Dilma Rousseff me parece uma pessoa muito otimista, além de ser bem mais charmosa que Angela Merkel. Eu faria uma roupa para ela. Mas as mulheres da política não podem ter uma aparência muito ligada à moda

    O senhor nunca bebeu ou usou drogas? Álcool me dá sono, cigarro nunca me atraiu e sempre gostei da mente clara como uma bola de cristal, sem as nuvens das drogas. Mas confesso que acho pessoas como eu, que não bebem nem fumam, muito aborrecidas. Portanto, se você quiser acender um cigarro, esteja à vontade.

    Em janeiro, uma semana depois das manifestações contra o casamento igualitário em Paris, o senhor encerrou o desfile Chanel com duas noivas de mãos dadas, acompanhadas de um garotinho. Foi uma mensagem política? Não, foi uma imagem bonita para me expressar sobre algo que considero ridículo. A França é um estado laico e, portanto, o único casamento válido perante a lei é o civil. Mas existem mulheres que vivem com outras mulheres e homens que vivem com outros homens, e alguns até adotam crianças e formam uma família. Mas, se um deles morre, o outro não tem direito a nada. É como se o estado estivesse punindo essas pessoas por fazerem aquilo que é condenado pela religião. Logo, não posso concordar com isso. E o garotinho que desfilou é meu afilhado.

    O senhor nunca quis ter filhos? Não. Nunca me considerei apto para educar uma criança. Claro que tenho os meios para propiciar uma boa educação, porém sempre fui muito livre para ter essa responsabilidade. E não é verdade que eu deteste crianças. Gosto delas, elas me divertem, mas é sempre um conforto saber que os pais estão por perto para devolvê-las quando elas se tornam aborrecidas.

    O senhor criticou o penteado de Michelle Obama na segunda posse de seu marido. Por quê? Não me entenda mal, eu adoro Michelle Obama, só não gostei daquela franjinha. Não ficou bem. Assim como o presidente Obama, Michelle sabe muito bem tirar proveito dos fenômenos da nossa época, como a moda. Por isso, ela procura estar alinhada com o que os estilistas e as marcas americanos estão produzindo. Na moda é assim, é preciso ser oportunista. Ou então você não está realmente na moda.

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    O que o senhor acha da presidente Dilma Rousseff? Pelas imagens que vejo, ela me parece uma pessoa muito otimista. Além de ser bem mais charmosa que Angela Merkel.

    O senhor faria uma roupa para ela? Sem dúvida, se me pedissem. Mas não acho que mulheres da política devam ter uma aparência muito ligada à moda, porque correm o risco de não ser levadas a sério. Também não podem estar mal arrumadas para não se tornarem motivo de riso. Nada pode ser muito exagerado, tudo deve ter caimento perfeito, a cor adequada e ainda fotografar bem. É um equilíbrio delicado, difícil de ser conseguido.

    Moda não é arte. Sou um artesão. Mas hoje os costureiros querem ser reconhecidos como artistas. Acho muita pretensão

    Karl Lagerfeld

    Como o senhor vê a moda que se faz no Brasil? Não conheço nada de moda brasileira. Do Brasil, só conheço o design dos irmãos Campana e os trabalhos das artistas plásticas Adriana Varejão e Beatriz Milhazes. Na verdade, fui ao Brasil uma única vez, em 1963, para o casamento de um amigo com uma garota brasileira. Mas parece que faz cem anos, porque era outro século, outro planeta e, certamente, outro Brasil. E adoro a sonoridade do português que vocês falam, porque tem uma leveza que não existe no original europeu. Aliás, um dos meus autores favoritos é português, Eça de Queiroz.

    Moda é arte? Não. Sou um artesão. No passado, os profissionais da alta-costura desejavam ser aceitos pela sociedade por seu trabalho. Hoje eles querem ser vistos como artistas. Acho muita pretensão. Coco Chanel nunca fez uma exposição de suas criações, e madame (Madeleine) Vionnet sabia que seu ofício era fazer vestidos. Outro dia um famoso designer, cujo nome não vem ao caso, me disse: “No mundo da minha arte…”. Não pude deixar de perguntar: “Como? Você parou de fazer vestidos?”.

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    Todos os anos fala-se que a alta-costura está morrendo. Por que então marcas como Chanel e Dior continuam investindo nesse setor? Falar na morte da alta-costura é falta de informação. Ela tem se revelado um grande negócio em países como China, Emirados Árabes, Índia e Rússia. Em 2012, a Chanel teve um dos seus melhores desempenhos, e continua contratando pessoal para o ateliê de alta-costura da Rue Cambon. Hoje são cerca de 200 costureiros trabalhando lá. E não são, como se pode pensar, senhoras de meia-idade. São garotas e rapazes entre 20 e 30 anos.

    O tapete vermelho das premiações do showbiz é hoje a melhor vitrine da moda? Sim e não. É excelente para o prêt-à-porter e para a venda de perfumes e acessórios. Mas é ruim para a alta-costura, porque as clientes não querem saber de um vestido parecido com o que apareceu em um tapete vermelho. Trata-se de uma clientela muito esnobe.

    De quais estilistas da nova geração o senhor gosta? De vários. Eu diria que estamos vivendo um período interessante na moda. Em Paris temos Riccardo Tisci, Nicolas Ghesquière, Olivier Theyskens, Raf Simons e Kris van Assche, que faz uma excelente moda masculina. Também gosto do escocês Christopher Kane e da dupla americana da Proenza Schouler.

    Quando o senhor pretende escrever suas memórias? Nunca! E é por isso que continuo dando entrevistas. Já recebi propostas e algumas pessoas até escreveram livros sobre mim, mas eu simplesmente não prestei atenção. Na verdade, como só eu sei qual é a verdade, acho muita graça de tudo isso. Fizeram dois documentários comigo: Lagerfeld Confidential, de que eu não gosto, e Un Roi Seul (O Rei Solitário), de que eu gosto, à exceção do título. Não sou rei nem estou solitário.

    Sexo e sensualidade são aspectos fundamentais do seu trabalho? Sexo é um jogo que deve ser praticado por pessoas jovens. Quando se chega a uma idade avançada, é preciso que a mente esteja direcionada para outros interesses. Acredito que quando envelhecemos temos de estar muito mais ligados na amizade e no afeto. É um outro tipo de amor, porque o amor físico precisa de vitalidade, e não de poeira.

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    Há cerca de dez anos o senhor perdeu 40 quilos graças a uma dieta que ficou famosa. Ela continua? Como apenas peixe e vegetais cozidos no vapor, abandonei a carne vermelha por ordens médicas e há doze anos cortei o açúcar. Também controlo o sal, evito manteiga e farinha. Não é nada fácil, mas tenho dois chefs trabalhando para mim que fazem maravilhas. Quem vai jantar na minha casa nem desconfia que está comendo um cardápio de dieta. Mas não faço exercícios. Além de não ter tempo, fiz muito esporte na juventude, e toda atividade física praticada até os 18 ou 20 anos fica com você para sempre. O corpo tem ótima memória.

    Por que o senhor só veste preto? Porque é mais fácil. Mas também uso outras cores, principalmente cor-de-rosa e, no verão, muito azul. O que eu evito é misturar cores, para não ficar parecendo uma arara. Não tiro os óculos porque sou mío­pe e uso luvas da mesma forma que as pessoas usam sapatos, para não sujar as mãos e porque é chique. O leque eu aposentei porque combinava mais quando eu estava gordo.

    Em suas festas e desfiles são famosos os shows ao vivo de artistas como Florence and the Machine e Azealia Banks. Como o senhor faz para estar sempre tão atualizado? Muito simples, basta ser curioso e se manter informado. No dia em que você achar que já sabe e já viu tudo, essa conexão desaparece. Leio vários jornais e revistas, mas vejo pouco televisão. E absolutamente não tenho tempo de ficar na frente do computador. Não entendo como as pessoas podem perder tanto tempo. Meu Google sou eu mesmo.

    As roupas prontas para vestir do prêt-à-porter foram a maior revolução da moda que o senhor presenciou? Eu presenciei muitas mudanças. A mais recente foi a compra de várias marcas famosas e tradicionais por grandes corporações. Mas, sem dúvida, o prêt-à-porter mudou as regras a partir dos anos 60. E não foi algo que aconteceu do dia para a noite, como se imagina. Levou anos para que as pequenas butiques dessem lugar às confecções. Mas não gosto de falar do passado. Aliás, nem me lembro de como era a vida antes do iPhone. Você se lembra do Walkman?

    Sim, eu me lembro. Eu não.

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