Dorothy é aquela doce menina do Kansas interpretada por Judy Garland (1922-1969) em O Mágico de Oz. Mas seu nome não demorou a ganhar um sentido que vai além do clássico de 1939 no qual Judy, radiante aos 17 anos, era levada para uma terra mágica pela força de um tornado. Graças à sua amizade com um leão que carece de virilidade e à interpretação impagável da canção Over the Rainbow, ela logo se tornaria uma personagem, digamos, bandeira: nos Estados Unidos dos anos 60, ser “amigo de Dorothy” era um código para designar os homossexuais enrustidos.
Não à toa, a idolatria dos gays pela figura de Judy vem dos primórdios da carreira da atriz. E a identificação se alargaria com o passar do tempo. Andrógina, a Judy dos anos 50 e 60 tinha cabelos curtos, terninhos, jaquetas masculinas e calças de toureador. Mas a força do culto vem, sobretudo, de suas canções. Judy ia das interpretações embebidas de alegria (Get Happy) ao desabafo (The Man that Got Away). Over the Rainbow, seu testamento, é o lamento de uma criança sobre a infância bucólica que ela jamais desfrutou. Diante de diva tão poderosa, só resta uma dica a sua maior rival: desista, Barbra Streisand.
Publicado em VEJA de 5 de fevereiro de 2020, edição nº 2672