O álbum My Heart Speaks traz versões em inglês de suas canções. Como ele nasceu? O disco foi gravado com a Sinfônica de Tbilisi, na Geórgia. Morri de medo porque gravamos durante a guerra na Ucrânia e são países vizinhos. É um trabalho jazzístico, com muitos solos e participação de grandes cantoras, como Jane Monheit e Tawanda, e do trompetista Randy Brecker.
Por falar em trompetista, é verdade que no início dos anos 1990 Miles Davis o procurou para gravar um disco? Um dia, o maestro Larry Williams me ligou e disse estar com Miles na linha. Com aquela voz peculiar, Miles falou que queria gravar um álbum duplo com 28 canções minhas. Infelizmente, não deu tempo: ele morreu poucos meses depois. Miles fez também uma crítica sobre minhas composições. Disse que meus arranjos tinham notas demais. Ele era um minimalista. De certa forma, estava certo. Tenho harmonias complexas mesmo. Quero também ficar mais minimalista. Não se ignora uma dica de Miles Davis.
Mesmo com “muitas notas”, é inegável o sucesso popular de suas canções. Qual o segredo? Não faço música para alienados. Faço para as pessoas que conhecem a realidade do país. Gosto de tocar em praça pública, de graça, porque ali aparece gente de todas as raças, gêneros e classes sociais. Todo compositor é um repórter de seu próprio tempo. É possível contar a história do Brasil por meio da nossa música.
Elis Regina foi uma parceira e amiga. Como surgiu essa amizade? Eu tremi de medo no dia em que a conheci, mas ela me recebeu superbem. Depois, porém, aconteceu um fato engraçado. Quando voltei à casa dela, levei junto o Ronaldo Monteiro, meu parceiro. Pelo interfone, ela achou que era seu ex-marido, Ronaldo Bôscoli. Foi um festival de palavrões que eu nem conhecia. Quando percebeu o engano, ela abriu um abraço. Mas ficamos apavorados.
O senhor tem relação antiga com um dos maiores produtores do mundo, Quincy Jones. Ainda tem contato com ele? Somos grandes amigos. Foram ele e o percussionista Paulinho da Costa que me apresentaram no exterior. Eles mostraram a música Novo Tempo ao Michael Jackson, que queria gravá-la em Thriller. A versão em inglês já estava pronta, mas eu não quis liberar porque o contrato era leonino. Se tivesse aceitado, teria ganhado tanto dinheiro que estaria pescando até hoje numa ilha do Pacífico. Foi melhor: voltei ao Brasil e construí minha carreira. Deus escreve certo por linhas tortas.
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2023, edição nº 2860