Considerado um aquecimento para os grandes lançamentos do Oscar em solo europeu, o Festival de Veneza deu largada à sua agenda de estreias no último dia 30 sob um clima melancólico. Um elemento-chave, afinal, estava faltando: a procissão de astros ostentando modelos de grife no famoso tapete vermelho do Lido veneziano. Os gatos-pingados do mundo das celebridades que deram as caras (em sua maioria, do cinema europeu ou indie) exibiam adereços e atitudes que explicavam a causa de tamanho ocaso: broches, camisetas e discursos apoiavam a paralisação dos atores e roteiristas americanos.
A greve que atinge os estúdios de Hollywood desde maio, quando os roteiristas resolveram cruzar os braços, ganhou impulso dramático algumas semanas depois, com a adesão do Sindicato dos Atores de Cinema, Televisão e Rádio (SAG-AFTRA) — que decidiu parar com mais de 97% de aprovação interna, interrompendo em 20 de julho tanto a produção de novas obras quanto a divulgação das já concluídas. As duas categorias resolveram que só vão fechar acordos com os estúdios de forma conjunta — até o fechamento desta edição, as negociações não esboçavam nenhum avanço concreto.
A perspectiva de que o movimento se arraste até o fim do ano tira o sono da indústria do entretenimento, tanto que grandes investidores nas produções de Hollywood lançaram recentemente um alerta implorando que as partes se entendam — até agora, em vão. Do ponto de vista do público, a greve já provoca uma reação em cadeia (leia abaixo). Superproduções previstas para estrear no segundo semestre são adiadas em série — a vítima mais recente foi Duna 2, transferido de novembro para o começo de 2024. Mais sutil para a plateia, mas fatal para produtores e estúdios, é a parada na divulgação dos lançamentos. É com o investimento multimilionário nos holofotes que se fazem sucessos globais como Barbie. A importância econômica dessas campanhas é tão notável que até o mercado da moda sofre, pois a exposição milionária de roupas de grife pelas estrelas nos tapetes vermelhos fica comprometida.
Qualquer que seja o desenlace, a greve já expôs um dado eloquente: o advento de novos hábitos de consumo provocou uma revolução na estrutura industrial de Hollywood, atingindo em cheio as relações trabalhistas. Entre os motivos da paralisação está o fim da renda que atores obtinham com reprises televisivas. No streaming, eles recebem pagamentos esparsos e não acessam dados de audiência. Segundo o sindicato, os produtores chegaram a propor pagar uma única diária para escanear a aparência de figurantes e reproduzi-los digitalmente pelo resto da eternidade. Eis, aliás, outro fantasma que nutre a revolta: atores e roteiristas exigem garantias contra o uso futuro de seu trabalho por meio da inteligência artificial — e temem até que ela substitua os humanos na tela.
Cenas de uma Revolução – o Nascimento da Nova Hollywood
Há, ainda, reivindicações mais previsíveis que pretendem abalar velhas tradições. A mais notória são os grandes salários de astros e executivos. Para não ficar mal com a massa que vive de diárias em pontas de produções, a elite do ramo — de Meryl Streep a Kevin Bacon e Marisa Tomei — foi para as ruas protestar com os grevistas. Ator mais bem pago de 2022, com ganhos de 270 milhões de dólares, o fortão Dwayne Johnson, o The Rock, não se furtou à luta: fez uma doação milionária ao sindicato. Se Hollywood está em guerra, melhor não se arriscar.
REAÇÃO EM CADEIA
Tapete vermelho
Suspensos na greve, os eventos de lançamento são vitais: filmes como Barbie só se tornam fenômenos graças ao marketing — até a indústria da moda depende dessas vitrines
Altos salários
Ganhos colossais de astros e executivos são questionados, do CEO da Disney, Bob Iger (27 milhões de dólares anuais), a The Rock, o ator mais bem pago de 2022 (270 milhões de dólares)
Superproduções
A paralisação ameaça fazer terra arrasada do segundo semestre de 2023: blockbusters como Duna 2 já foram adiados e outros devem se somar às baixas
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858
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