Há alguns meses, o designer de calçados francês Christian Louboutin, cujo sobrenome é sinônimo de desejo púrpura, soltou uma frase certeira, lá de cima do salto alto: “A indústria de luxo não é apenas para pessoas que podem comprar, mas também para pessoas que sonham e se interessam por ela”. Era a máxima que alimentava os milhares, milhões de seguidores dos chamados influencers de moda — turma que verdadeiramente já nem influencia tanto assim nas redes sociais, dado aos insistentes “cancelamentos”, atalho para maciça queda de audiência. Mas como não dá para abandonar o mundo digital, as grifes de luxo decidiram, muito recentemente, apostar em um mercado inédito para divulgar suas coleções, especialmente entre os mais jovens: os personagens de games. A moda, agora, é para jogar, para brincar, diversão como porta de entrada para a divulgação das marcas. O próprio Louboutin percebeu a mudança e, na virada de 2020 para 2021, lançou uma coleção por meio do aplicativo sul-coreano Zepeto. Na simulação virtual, os convidados podiam passear por uma loja em Paris e tirar uma selfie com um bonequinho — voilà! — muito semelhante ao lendário gaulês.
Ter as grifes de mãos dadas com os jogos eletrônicos é fenômeno que se espalhou — ou, para usar expressão mais em voga, viralizou. A Chanel montou um centro de games temporário em Xangai, na China, para divulgar suas novidades do setor de maquiagem e beleza com a ajuda de avatares. A Louis Vuitton apostou nas chamadas skins (os trajes para personagens dos jogos) do game de sucesso League of Legends, já baixado mais de 100 milhões de vezes em todo o mundo. As indumentárias virtuais, cópias das coleções da vida real, custam entre 28 e 64 reais e não oferecem nenhuma vantagem no jogo ao usuário. É apenas prazer estético. E quem não gosta desse tipo de prazer? “Queremos que nosso jogador simplesmente se sinta bem na plataforma”, diz Priscila Queiroz, uma das líderes da empresa Riot Games no Brasil, responsável pelo game. Detalhe importantíssimo para as grifes: oito em cada dez consumidores das jogatinas têm entre 16 e 30 anos, faixa etária inferior à dos homens e mulheres que se interessam pelos desfiles de moda. Ou seja: aposta-se no futuro.
A nova estratégia é também uma boa saída para remediar os efeitos da pandemia, que fez o setor de luxo encolher estimados 35% (o faturamento em 2019 tinha sido de 1,4 trilhão de dólares). Inova-se para trazer a clientela de volta. O maior burburinho foi causado pela espanhola Balenciaga, fundada há 101 anos, que exibiu suas peças da linha de outono de 2021 por meio de um jogo de computador futurista. Os personagens aparecem ostentando luxuosos casacos, vestidos e bolsas enquanto caminham por cenários urbanos, na floresta e, é claro, em uma loja da marca. O trailer do jogo foi visto mais de 2,3 milhões de vezes no YouTube. “Essa forma de marketing digital é uma maneira de despertar o desejo do consumidor”, diz Guto Marinho, professor de design de acessórios de moda da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. “E não seria essa a missão principal da moda?” Sim, associada, naturalmente, ao sucesso comercial.
Publicado em VEJA de 10 de fevereiro de 2021, edição nº 2724