Reconhecido pela beleza universal de suas coleções, um modo de enxergar o mundo que podia ser vestido, o estilista francês Yves Saint Laurent (1936-2008) era temido por sua ironia, cortante como faca. Numa de suas mais conhecidas provocações, ele não deixou pedra sobre pedra: “A mais bela maquiagem de uma mulher é a paixão. Mas os cosméticos são mais fáceis de comprar”. E, no entanto, como o chavão manda dizer que dinheiro não compra felicidade, ter a pele em ordem foi sempre um exercício complicado, lento e demorado, afeito a jamais chegar ao ponto ideal. Até muito pouco tempo atrás, para achar o tom ideal de batons e bases para o rosto, vitais para a beleza da cútis, visitava-se uma loja física e perdia-se um bom tempo experimentando produtos do mostruário. Eles eram gentilmente apresentados por uma cuidadosa vendedora que dava seus próprios conselhos sobre os efeitos.
A pandemia, sempre ela, incontornável, introduziu definitivamente a tecnologia a serviço da simplicidade. A novidade: grandes grifes estão investindo em recursos capazes de facilitar a escolha da melhor maquiagem e sobretudo criá-la individualmente para a cliente. E, então, não será mais preciso sair de casa — ou gastar muito tempo fora, diante de um balcão.
Há uma coleção de soluções engenhosas. A YSL apresentou no início do ano um tubo portátil conectado a um aplicativo que cria, com um único toque, uma nova tonalidade de batom a partir da mistura de três cores diferentes. A L’Oréal tem um serviço que permite aplicar remotamente na foto de seu rosto os produtos da marca, de modo a encontrar a melhor combinação. Diz Patricia Borges, vice-presidente de marketing da L’Oréal Brasil: “O mercado da beleza vai passar pela personalização, e só conseguiremos fazer isso com o suporte de ferramentas tecnológicas”.
A customização é, de fato, uma tendência irrefreável. A Lancôme acaba de inventar uma linha de base absolutamente individual. Na loja, uma máquina escanceia rapidamente a pele da cliente, processa os dados e “monta” na hora uma cor entre nada mais nada menos que 72 000 versões possíveis. Do início ao fim, o processo leva vinte minutos. A Chanel acaba de lançar um aplicativo que permite, a partir de uma foto, seja dos lábios de uma celebridade ou apenas de seu batom predileto, identificar a tonalidade e, em seguida, indicar a mais próxima entre as mais de 400 opções do catálogo. “Em breve, quando o mundo retomar a rotina, muitas dessas invenções andarão de mãos dadas com a presença nas lojas, porque a consumidora gosta disso”, diz Cesar Tsukuda, diretor da Beauty Fair, maior feira de beleza profissional das Américas.
O interesse pela maquiagem está intrinsecamente colado na história da humanidade. Há 5 000 anos, os egípcios já recorriam a pétalas, papoula e argila para delinear os olhos, as sobrancelhas e as bochechas. O hábito hoje virou um dos mercados mais lucrativos do planeta — com ou sem o vírus à espreita. Estima-se que, com o aporte tecnológico, o setor global de cosméticos terá taxa de crescimento anual superior a 5% entre 2021 e 2027, alcançando 463,5 bilhões de dólares. Saint Laurent ironizava, mas as facilidades de manuseio tornarão os cosméticos ainda mais atraentes para o consumo.
Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728