De Nova Jersey, onde mora com a família, o músico João Marcelo Gilberto, primogênito de João Gilberto, acompanha com pesar e preocupação o noticiário recente sobre o pai. É a única forma que tem, ele diz, de se informar sobre as dificuldades de saúde e de finanças por que passa o cantor, de 86 anos, um dos fundamentos da música brasileira pós-era do rádio, cultuado por fãs de bossa nova no mundo inteiro.
João Marcelo tem 57 anos e é filho da cantora Astrud Gilberto, a primeira mulher de João. Morou quase a vida inteira nos Estados Unidos, onde ela se fixou. As informações que lhe chegam do Rio não são boas. Em novembro do ano passado, o pai, que mora sozinho em um apartamento no Leblon, foi interditado judicialmente pela filha do meio, a cantora Bebel Gilberto, da união com a cantora Miúcha. A Justiça autorizou o arrombamento do imóvel, caso seja preciso. Bebel alega que o pai não vai ao médico por conta própria, e essa autorização pode ser útil.
Como vive recluso há anos, João Gilberto não cuida da saúde como a idade avançada pede. Está muito magro e convive com uma hérnia não tratada. Corre risco de despejo do imóvel, por falta de pagamento, e enfrenta ações judiciais. A alegação para o pedido de curatela foi de que João Gilberto sofre de confusão mental e não tem controle de seu dinheiro, e assim fica vulnerável a manipulações. João Marcelo concordou com a interdição, mas agora, afirma, sente-se alijado das decisões.
Em entrevista por e-mail, o primogênito, que tem um estúdio em casa e trabalha com a mulher desenvolvendo programas para a TV, lembra com ternura dos momentos com o pai. Diz por que entrou com uma ação em nome de sua filha bebê, como forma de ter acesso às finanças dele e ajudá-lo a administrá-las. Conta das dificuldades no trato com Claudia Faissol, ex-mulher do cantor e mãe de sua caçula (Luisa, 13 anos), que fez as vezes de empresária, e também com a irmã Bebel. E fala do desejo de, enfim, vê-lo em paz.
A reportagem tentou insistentemente falar com a advogada de Bebel, Simone Kamenetz (a cantora também mora nos EUA), e com Claudia para que comentassem as afirmações de João Marcelo, mas não teve retorno.
Como está João Gilberto? Como ele reagiu à interdição judicial? Infelizmente, neste momento estou sem saber. Meu pai não queria ser interditado e com certeza não gostaria que toda essa briga familiar acontecesse.
Acredita que precise de cuidados médicos urgentes? Sim.
Como você se sente acompanhando tudo de longe? É triste ver que o controle financeiro, para alguns, vale mais do que uma família unida. Mas aí entram ciúmes de infância, questões para psicanalistas resolverem.
Quão próximo você é do seu pai? Eu me mudei para os EUA com minha mãe bem cedo, quando tinha cerca de 4 anos. Foi uma época em que acabei me afastando. Meu pai então veio morar nos EUA e me visitar em Nova York, trazendo seu violão para o apartamento de Astrud. Ele morou aqui por cerca de uma década, e eu morei um tempo em criança no Leme, no Rio. Já adulto, eu fazia parte da banda da minha mãe como baixista, e tinha contato quando ele vinha aos EUA ou quando eu ia ao Rio.
Com que frequência se veem atualmente? Recentemente, meu pai queria que eu ficasse um tempo por perto. Ele sentia que estava frágil, e ameaçado por pessoas próximas naquele momento. Conseguiu para mim um apartamento em Ipanema. Fizemos algumas comemorações por lá, como o meu aniversário e uma ceia de Natal, e ele aparecia de vez em quando. Eu e minha mulher presenciamos ameaças a ele, feitas por algumas pessoas que neste momento não posso mencionar. Passei praticamente três anos no Rio, mas tive que voltar para os EUA. Construí uma suíte para meu pai em nossa casa nos EUA, onde ele tem privacidade e conforto, e pode ficar em segurança. Ele já se hospedou conosco. Gostaria que ele tivesse um final de vida feliz e tranquilo, e sei que posso contribuir muito nesse sentido, desde que pessoas agora próximas a ele não façam esforço em me afastar.
Como é João Gilberto avô? Aqui somos cinco, eu, minha mulher, Adriana, Katryna, de 25 anos, Alice, de 16, e Sofia, de 2. Alice é filha da Adriana, mas está sempre conosco, e Katryna já tem seu próprio apartamento. As meninas são americanas. Ele sempre foi muito carinhoso com elas, mesmo a distância. Preocupava-se e perguntava por elas. Sofia, infelizmente, nasceu num momento que ele estava muito tenso e preocupado com a própria vida. Mas sempre ligava para falar com ela e dizia coisas muito amorosas. Tem uma foto grande dela na estante de sua sala. Sofia adora cantar e dançar, faz isso o dia todo. Se ele a encontrasse agora, tenho certeza de que iria se apaixonar. Meu pai sempre gostou de crianças e bichos.
Faz tempo que ele não controla a vida financeira? Ele me pedia há um tempo para descobrir como estão suas finanças, me perguntava com frequência sobre os cheques que sumiam em sua casa, se eu tinha ideia para onde iam. Isso porque se sentia insatisfeito e sem o controle da situação, como sempre gostou de ter. Uma vez me pediu para telefonar para a Claudia Faissol para entender algumas coisas que estavam acontecendo, sobre contratos e finanças.
Usaram cheques indevidamente? Sabemos que existem cheques que estão sendo movimentados e não sei como isso está sendo revertido para os cuidados com meu pai, em especial com a saúde. Não há transparência.
Por que é tão difícil lidar com suas finanças? Entramos com uma ação para que seus ganhos fossem revelados. Na época, tudo parecia obscuro, e nos dava a ideia de que a administração de meu pai iria continuar nas mãos da Claudia Faissol. Até a Bebel, que estava também naquele momento sem acesso e lutando por isso, iria se beneficiar (da ação). Seriam revelados os números, e poderíamos entender o que se passava realmente, para poder ajudá-lo melhor.
João é um artista fundamental, mas não grava há dezoito anos e não faz shows há dez. Consegue se manter? Fui a algumas reuniões com a Bebel e advogados para resolvermos questões como o acordo com a EMI, que desejávamos fazer juntos, e outros assuntos da vida de JG. Espero em breve poder contribuir com isso. Como disse, estava sem acesso aos números, como ainda estou, e fomos aconselhados por amigos advogados a entrar com uma ação para obter uma estimativa do valor recebido por ele. Pessoas que estavam próximas ao JG naquele momento escondiam as informações, e as que estão hoje com ele continuam escondendo, em vez de optar pela transparência. Acredito que o que JG recebe mensalmente daria para pagar suas despesas sem estar com os problemas financeiros em que se encontra.
O objetivo da ação movida em nome de sua filha caçula não era obter uma pensão? Eu precisava ter uma noção para saber se a entrada (de recursos) era ou não suficiente para manter a casa do meu pai, seu plano de saúde e os cuidados necessários. Precisava ser rápido, pois ouvi que ele estava para ser despejado a qualquer momento e sem plano de saúde. Na época, não sabíamos ainda se a administração das finanças ficaria com a Claudia, como parecia que ia ficar, com a Bebel ou com os irmãos em conjunto. Quando conseguir a transparência almejada, retiraremos a ação. Estamos aguardando a audiência. E Bebel somente soube da minha ação quando já tinha assumido a curatela provisória de JG.
Sabe estimar há quanto tempo João não sai de casa? Não.
Por que é recluso há tanto tempo? Ele se sente melhor dessa forma, sempre o respeitei nesse sentido.
O violão e a voz de João têm fãs no mundo inteiro. Por que parou de se apresentar? Desde que algumas pessoas entraram em sua vida, ele parou de se apresentar publicamente. Mas isso coincidiu com sua velhice também. Tenho interesse em promover a arte do meu pai, para que ele possa receber homenagens em vida, sinta o carinho que as pessoas têm por ele. Pensei até em fazer um filme com relatos de pessoas e artistas que conviveram com ele e o admiram, para manter o interesse sobre o trabalho dele vivo.
Ele não gravou CDs depois de 2000. Foi pelo perfeccionismo? Em parte pelo que disse acima, e também por sua vontade de descansar.