Há quase dois séculos, um ex-professor primário britânico revolucionou a comunicação em massa no mundo. Insatisfeito com a ineficiência do serviço postal no Reino Unido, Rowland Hill (1795-1879) sugeriu uma inversão no método de cobrança utilizado até então pela coroa, transferindo o pagamento das postagens do destinatário para o remetente. Hill estipulou ainda que o “recibo” da transação fosse colado à parte externa da carta e devidamente maculado para não ser reutilizado. Assim nasceu o Penny Black, primeiro selo postal da história, batizado com esse nome porque traz uma efígie da jovem rainha Vitória em preto e branco e custava um centavo (“penny”, em inglês) de libra. Um dos primeiros exemplares impressos da pequena obra-prima será leiloado em dezembro pela Sotheby’s, que espera conseguir por ele entre 4 milhões e 6 milhões de libras esterlinas, cerca de 30 milhões a 46 milhões de reais.
Até 1840, quem pagava pelo envio de uma carta era o destinatário. O carteiro cobrava com base no peso e na distância percorrida. Como era uma despesa cara, entrou em cena o “jeitinho”. Na parte externa da missiva, o remetente anotava sinais gráficos, mensagens cifradas que indicavam a quem recebia o que deveria fazer. Por exemplo, uma estrela podia significar que estava tudo bem e não era preciso fazer o pagamento para ler. Já uma bola preta poderia ser sinal de que o conteúdo tinha informações relevantes e a despesa seria necessária. Com isso, o serviço era considerado pouco eficiente e deficitário. O selo postal veio para acabar com isso.
O exemplar que a Sotheby’s leiloará chama-se, na verdade, Documento Wallace, considerado uma das peças mais destacadas da história filatélica. Ganhou esse nome porque fazia parte dos arquivos do parlamentar Robert Wallace, responsável por impulsionar a reforma postal britânica. Na folha datada de 10 de abril de 1840 estão reunidos dois elementos fundamentais do projeto: um selo Penny Black não usado e uma prova do papel de carta, outra alternativa para o pagamento da postagem, criado pelo designer William Mulready.
O Penny Black não usado é o mais celebrado do conjunto. O selo, que traz na base as letras A e I, foi gerado a partir da primeira placa de impressão. Foram usadas onze ao todo, e cada uma delas imprimia 240 selos em folhas com vinte linhas e doze colunas. Estima-se que foram impressos 68 milhões de Penny Black, e que 5% deles restam nas mãos de colecionadores. Começaram a ser vendidos em 1º de maio de 1840, mas só puderam ser usados a partir do dia 6 do mesmo mês. Os burocratas do governo britânico apostavam mais nos papéis de carta do que nos selos como método que prevaleceria. A história mostrou o contrário e hoje o selo é tema de museus ao redor do mundo.
O Brasil foi o primeiro país fora da Europa a adotar o novo sistema postal. Os Olhos de Boi, nos valores de 30, 60 e 90 réis, estrearam o novo serviço em 1º de agosto de 1843, por iniciativa do então imperador dom Pedro II. O monarca não aparecia no novo documento por uma razão prática: havia matrizes prontas e era mais fácil e rápido imprimir os selos com aqueles desenhos. Foram emitidos cerca de 4 milhões deles, dos quais há ainda entre 30 000 e 40 000 em coleções. Recentemente, um exemplar de 60 réis foi arrematado por 56 000 reais. “Eles são preciosos porque contam uma história e fazem você viajar sem sair do lugar”, diz Reinaldo Macedo, vice-presidente da Federação Internacional de Filatelia (FIP, na sigla em francês). Ao longo dos tempos, os selos se tornaram símbolos pop, homenageando figuras que os países consideram emblemáticas, como Karl Max, celebrado pelo governo cubano, e Harry Potter, pelos britânicos. No papel, ao menos, eles nunca serão esquecidos.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763