Jenifer foi o sexto clipe da minha carreira. Uma surpresa ter feito tantos, porque nunca imaginei que esse mercado poderia se abrir para mim. Estamos acostumados a ver como musas desses vídeos mulheres dentro do padrão de beleza de capa de revista, muito distantes da média da população. Ao receber esse novo convite, no papel de uma garota por quem o cantor Gabriel Diniz se interessa, me disseram que a personagem seria bonita, sim, mas também alegre, divertida, que se ama como é. A música não descreve um tipo físico. Ela poderia ser qualquer pessoa. A produção me deixou gata para a gravação, e eu me senti linda mesmo, mas o que chama atenção na protagonista de Jenifer é seu espírito leve (assista ao clipe em abr.ai/jenifer).
Fiquei surpresa com essa repercussão — primeiro lugar no Spotify e mais de 95 milhões de visualizações no YouTube. A média do público que consome esse tipo de música não é a mulher inatingível, com padrão de passarela. As pessoas querem se ver. Outro dia, uma mulher me escreveu dizendo que tem uma filha gordinha de 7 anos. A menina ia fazer natação e estava superempolgada com isso, mas, ao colocar o maiô, o sorriso se transformou em lágrimas. Ela começou a falar que era feia, gorda demais para usar aquilo. A mãe, então, pegou uma foto minha de biquíni e mostrou à filha, perguntando se ela achava que eu estava bonita. Ela respondeu que sim, secou as lágrimas e anunciou que ia para a natação. Chorei com isso. É muito cruel. Nós mulheres somos massacradas desde muito cedo com a pressão para que o nosso corpo seja dessa ou daquela maneira, como se estivéssemos aqui para agradar a alguém.
Até os meus 18 anos eu tinha 50 quilos e vestia manequim 38. Nessa época, meu peso começou a dar uma desregulada e, como somos ensinados a vida inteira que engordar é a pior coisa que pode acontecer com alguém, passei a me entupir de remédio para emagrecer. Até os 26 anos, eu me envenenei com medicamentos, que provocaram o efeito sanfona. Por volta dessa época, também descobri o hipotireoidismo, que ajudou no ganho de peso.
Cheguei a ouvir de agentes de atores, quando eu tinha 30 quilos menos do que agora, que estava gorda para fazer televisão. Só comecei a tomar consciência de que tinha de parar de sofrer quando uma produtora de elenco da Globo me disse: “Todo mundo quer ficar com a mesma aparência, e quando precisamos de alguém diferente para algum trabalho não encontramos”. Já atuei em filmes como Minha Mãe É uma Peça e em três novelas.
Não sou sedentária e sei dos riscos que o sobrepeso traz. Procuro ser muito ativa, comer bem quando posso para, quando me dá vontade, poder sapatear na jaca — provar um hambúrguer e tomar refrigerante, por exemplo. Uma grande luta minha é desconstruir o preconceito de que gordos têm alguma doença e que todo magro é saudável. Ninguém tem visão de raio x para olhar para uma pessoa e dizer que problemas ela tem.
Você é mais do que o seu corpo. Ele é uma parte do todo, a mais mutável. As pessoas devem se cuidar, mas é muito mais fácil fazer isso quando elas se amam do que quando se odeiam. Temos uma ideia muito equivocada de que a autoestima está ligada somente à estética, mas ela pode vir de um monte de outros lugares — de você sentir que é boa no que faz, que está satisfeita com suas escolhas. Hoje sou muito mais feliz comigo mesma. Não trocaria a Mariana de agora pela de vinte anos atrás, mas nunca assinei um contrato dizendo que vou ficar gorda para sempre. Se amanhã quiser ou avaliar que preciso emagrecer, é meu direito e meu dever me dar isso. Por enquanto, estou feliz. Quem quiser se incomodar que se incomode.
Depoimento dado a Meire Kusumoto
Publicado em VEJA de 23 de janeiro de 2019, edição nº 2618
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