Esboços inéditos de obra controversa de Van Gogh vão a público em mostra
Em Amsterdã, 'Os Comedores de Batata' terá exposição especial; o quadro, duramente criticado à época da conclusão, era um dos favoritos do artista
Uma coleção de esboços de Os Comedores de Batatas (1885), obra emblemática de Vincent Van Gogh (1853-1890) com uma família de camponeses comendo uma refeição, estampa uma mostra no Van Gogh Museum, em Amsterdã, até fevereiro do ano que vem. As peças preparatórias eram parte de um planejamento do artista de refazer o quadro, brutalmente criticado por amigos próximos, familiares e compradores à época da finalização.
Com mais de 50 esboços, cartas e pinturas que culminaram na obra, a exposição The Potato Eaters: Mistake or Masterpiece? (“Os comedores de batatas: erro ou obra-prima”, em tradução direta) reflete sobre o processo de criação do que é considerado um dos trabalhos mais subestimados do artista. Embora ele próprio o tenha considerado um de seus quatro quadros mais importantes, ao lado de Quarto em Arles (1888), La Berceuse (1889) e Girassóis (1889), Os Comedores de Batatas encontrou uma desaprovação quase unânime mesmo entre colegas artistas. O pintor Anthon van Rappard, amigo próximo mestre em composições de grupo, não poupou críticas em carta enviada a Van Gogh. A zombaria ia de uma figura masculina sem “metade do nariz” e “joelho ou barriga ou pulmões” a um braço que estava “um metro curto demais”.
“Você pode fazer melhor do que isso – felizmente; mas por que, então, observar e tratar tudo tão superficialmente?”, escreveu Van Rappard. “Por que não estudar os movimentos? Esse trabalho certamente não foi planejado com seriedade. E com tal trabalho atreves-te a invocar os nomes de Millet e Breton? Vamos! A arte é muito importante, parece-me, para ser tratada com tanta arrogância.” Van Gogh, chocado com a carta do colega e com as comparações fulminantes a artistas que admirava, enviou uma pequena nota curta. “Você não tinha o direito de condenar meu trabalho dessa maneira”, escreveu em julho de 1885. A amizade foi encerrada ali.
Os cinco anos seguintes foram marcados por persistentes problemas de saúde mental (a incluir o infame corte da orelha esquerda, em dezembro de 1888). Voluntariamente admitido em asilo de Saint-Rémy-de-Provence, Van Gogh pediu para que a mãe e o irmão lhe enviassem os esboços do quadro como inspiração para uma nova versão. “Estou pensando em refazer a pintura dos camponeses jantando sob efeito da luz da lâmpada”, escreveu ele em carta. “Essa tela deve estar completamente escura agora, talvez eu possa refazê-la inteiramente por memória.”
O quadro não foi finalizado antes de Van Gogh cometer suicídio em 29 de julho de 1890. Segundo a curadora da exposição, Bregje Gerritse, a decisão do artista de revisitar o quadro pode ser interpretada como um saudosismo de casa. “Em 1890, ele está em Saint-Rémy e tem saudades do norte, porque não vai para casa há cinco anos. Ele volta às figuras dos Comedores de Batata e começa a desenhar os interiores e as figuras à mesa, e alguns desses desenhos não estão em exibição há tanto tempo que nossos registros sugerem que nunca foram exibidos”, disse ao jornal britânico The Guardian.
E, mesmo com a vontade de refazê-la, o artista considerava a obra uma de suas melhores. “O que penso sobre o meu próprio trabalho é que a pintura dos camponeses comendo batatas que fiz em Nuenen é, afinal, a melhor coisa que fiz”, escreveu em carta à irmã Willemina, dois anos depois de terminar o quadro. Van Gogh acreditava que, com Os Comedores de Batata, havia captado a honestidade, a realidade e a pobreza da vida camponesa. “Ele diz que há vida nisso, mesmo que haja erros técnicos. A perfeição técnica não é o que ele busca, mas a impressão que transmite sobre a vida no campo”, diz Gerritse.
O quadro nunca apareceu em uma exposição e tampouco fora vendido – mas foi pendurado acima da lareira do apartamento do irmão Theo, em Paris. Hoje encontra-se no holandês Van Gogh Museum.