A elegância do samba de Paulinho da Viola tem um par perfeito na voz suave e limpa de Marisa Monte. Em quase duas horas de show, o espetáculo “Paulinho da Viola Convida Marisa Monte”, que apresentaram na noite da última sexta-feira e neste sábado, e que voltam a mostrar neste domingo no Citibank Hall, em São Paulo, a dupla deleitou quem pôde desembolsar ao menos 200 reais – o ingresso mais caro chega a 560 – para assistir a um dos encontros mais memoráveis da música brasileira. No repertório, além de canções de Paulinho, algumas já gravadas por Marisa, apareceram músicas de Arnaldo Antunes, parceiro de longa data da cantora, e de compositores da Velha Guarda da Portela, uma das paixões que a dupla tem em comum. E que pode contagiar.
A apresentação deste sábado começou pouco depois das 22h, o horário previsto para o início do show. Paulinho da Viola abriu o espetáculo sozinho, com clássicos como Tudo se Transformou, Coisas do Mundo Minha Nega, que cantou sorrindo, orgulhoso com razão, e Pecado Capital, em que contou com o coro do público – a canção foi tema de uma novela, o que a tornou popular. Marisa Monte entraria uns vinte minutos mais tarde, a bordo de um belo longo vermelho, para entoar composições de Paulinho como a melancólica Para Ver as Meninas – ela chegou cantando “Silêncio, por favor / Enquanto esqueço um pouco / a dor no peito” –, Sinal Fechado, diálogo refeito em uma versão emocionada e emocionante, e Não Quero Você Assim, que ela revelou ter sido feita por Paulinho para Roberto Carlos, mas nunca oferecida a ele. Ufa.
Marisa, que não sairia mais do palco, deixando a condição de convidada do sambista para compartilhar com ele o protagonismo da apresentação, também defenderia trabalhos próprios que, de alguma maneira, se ligam a Paulinho ou à Portela. Foi o caso de Universo ao Meu Redor, do CD de mesmo nome, e de Carnavália, dos Tribalistas, o grupo que formou com Carlinhos Brown e o ex-titã Arnaldo Antunes. A canção, um rock tropicalizado, foi acompanhada pelos oito músicos da banda do sambista.
Ela também relembrou canções de Paulinho que gravou, caso de Para Ver as Meninas, que incluiu no álbum Memórias, Crônicas e Declarações de Amor, e de Dança da Solidão, do disco Verde, Amarelo, Anil, Cor-de-Rosa e Carvão.
Em um dos pontos altos dos shows, Marisa e Paulinho deixaram as próprias carreiras de lado para passear pelo repertório da Velha Guarda da Portela, motivação para os dois, ligados desde cedo à escola, através dos pais. Paulinho foi o primeiro a reunir composições da hoje chamada Velha Guarda no disco Portela, Passado de Glória, de 1970. Três décadas mais tarde, Marisa faria o mesmo em Tudo Azul, cuja pesquisa ainda rendeu um álbum só de Argemiro do Patrocínio. “Copiei você”, admitiu, discípula. O bloco contou com canções como Quantas Lágrimas, de Manacéia, Esta Melodia, de Bubu da Portela e Jamelão – um dos hinos da escola de samba, música obrigatória que fazia todos se levantarem e aplaudirem, segundo Paulinho –, e Preciso me Encontrar, um tesouro de Candeia famoso na voz do mangueirense Cartola.
A canção serviu de deixa para Marisa retomar a obra de Paulinho. “Falta falar de um grande compositor da Portela”, ela disse, antes de cantar, com o próprio sambista, Foi um Rio que Passou em Minha Vida, canção que Paulinho fez como uma espécie de pedido de desculpas à escola depois de um breve flerte com a Mangueira. Foi de chorar.
Ainda houve espaço para Carinhoso, de Pixinguinha, uma das músicas preferidas de ambos, que Marisa fez questão de cantar duas vezes. “É tão curtinha, vamos fazer de novo?”, pediu, antes de lembrar que o clássico está completando 100 anos em 2017.
De São Paulo, Marisa e Paulinho seguem para Belo Horizonte, onde fazem show dia 20 de maio, no BH Hall, e para o Rio de Janeiro, onde se apresentam nos dias 9 e 10 de junho, no Metropolitan. Sorte de quem puder ver. E ouvir.