A 73ª edição do Emmy Awards, que aconteceu no domingo, 19, fez história ao premiar pela primeira vez no mesmo ano duas mulheres nas principais categorias de direção. Em uma disputa acirrada, Lucia Aniello levou a estatueta de direção em série de comédia pelo piloto de Hacks, da HBO Max, enquanto Jessica Hobbs triunfou na categoria dramática com o episódio final da quarta temporada de The Crown, fenômeno da Netflix que varreu a premiação. O feito inédito vem para consolidar uma temporada de premiações que, enfim, reconheceu a presença feminina por trás das câmeras, entregando a elas os prêmios de direção não só no Emmy, mas também no Oscar e nos badalados festivais de Cannes e Veneza deste ano.
Símbolo do cinema e maior termômetro da indústria, o Oscar ilustra ao longo de sua história o papel de coadjuvante a que as mulheres costumavam ser relegadas, sem muito espaço nos cobiçados postos de direção. Em mais 90 anos de existência, 2021 foi apenas o segundo ano em que a premiação concedeu os seus dois principais prêmios a um longa-metragem dirigido por uma mulher — Nomadland, de Chloé Zhao, foi o grande vencedor, levando melhor filme, direção e atriz. Zhao, inclusive, quebrou outro jejum de dez anos em 2020, ao levar o Leão de Ouro em Veneza, que não era vencido por uma mulher desde Sofia Coppola em 2010, sagrada vencedora por Um Lugar Qualquer.
Felizmente, o festival italiano não esperou mais uma década para premiar outra mulher na categoria principal, concedendo a estatueta de 2021 a Audrey Diwan por L’Événement, um drama sobre aborto ilegal na França dos anos 1960. Na mesma noite, a neozeolandesa Jane Campion foi agraciada com o Leão de Prata de direção por The Power of the Dog, e a americana Maggie Gyllenhaal ficou com a estatueta de melhor roteiro pela adaptação de A Filha Perdida, consolidando 2021 como um ano de dominância feminina na premiação. No tradicional Cannes, não foi diferente: Titane ficou com a Palma de Ouro, fazendo de Julia Ducournau a segunda diretora da história a levar o prêmio mais cobiçado do festival. Cineastas mulheres também venceram a mostra Um Certo Olhar, o troféu Câmera de Ouro e a Palma de Ouro de curtas-metragens – uma combinação inédita em 74 anos de premiação.
O sucesso feminino tardio, porém muito bem-vindo, deu fôlego extra às premiações, mas só foi possível graças a um aumento da participação delas por trás das câmeras – que, embora ainda minoritária, tem avançado nos últimos anos. Nos cinemas, a porcentagem de mulheres na direção cresceu pelo segundo ano consecutivo – em 2020, elas comandaram 16% dos 100 filmes de maior bilheteria, segundo relatório do Centro de Estudos sobre Mulheres na TV e nos Cinemas. Embora o número ainda seja baixo, ele é quatro vezes maior do que em 2018, quando elas estavam à frente de apenas 4% dos longas mais populares. O aumento parece apontar para uma tentativa da indústria de se modernizar em meio a discussões sobre representatividade puxadas não só pelos artistas, mas também pelo próprio público, que se mostra muito mais antenado em questões sobre diversidade do que alguns anos atrás.
Na televisão e no streaming, as mulheres estão mais presentes em papeis de criação que nos cinemas. Mas, ao contrário das telas grandes, que apresentam uma tendência de crescimento, a participação delas apresentou uma queda nos últimos anos nesses meios. Segundo levantamento do Centro de Estudos sobre Mulheres na TV e nos Cinemas, na temporada de 2020-2021 elas ocuparam 30% dos cargos de criação no streaming, contra 22% na televisão linear. O pico se deu no levantamento anterior, na temporada de 2019-2020, quando os números estavam em 33% e 26% respectivamente.
Mesmo assim, a presença de mulheres nos papeis de criação de produções badaladas do streaming fez com que o Emmy tivesse sua noite feminista. Nas séries cômicas a presença delas já era habitual, mas o drama sempre foi considerado território masculino na premiação. Antes de Jessica Hobbs triunfar com The Crown, a última mulher que havia levado a estatueta de direção em série dramática foi Reed Morano em 2017, pelo piloto de The Handmaid’s Tale – antes disso, porém, elas amargaram um jejum de mais de 20 anos na categoria, desde a vitória de Mimi Leder em 1995, com a série médica ER.
Agora é torcer para que esse legado não seja só uma onda passageira, mas sim uma porta para mais oportunidades e uma futura equidade ao lado dos cineastas homens.