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Em novo livro, Iain Reid se confirma como talento do thriller psicológico

Autor de 'Estou Pensando em Acabar com Tudo', neste livro, conta história de idosa com capciosas lacunas de memória

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h56 - Publicado em 16 abr 2023, 08h00
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  • Ao redor de uma casa afastada da cidade, árvores sem folhas e o céu nublado denunciam o frio pungente — e o cenário se completa com um homem de casaco grosso de inverno e touca de lã. A calmaria e o isolamento são inquietantes: longe de tudo e de todos, a solidão não costuma ser uma dádiva nas melhores tramas de suspense — especialmente nos livros do canadense Iain Reid. Mas esse é o habitat natural do autor: sob um frio de 3 graus em Kingston, no interior de Ontário, ele falou a VEJA via Zoom da varanda de sua casa. “É o último sopro do inverno antes da primavera, espero”, diz, sobre o clima gélido. A vista da residência do escritor de 42 anos descrita acima poderia facilmente ser o pano de fundo de uma de suas três novelas. Trata-se de uma obra ainda modesta, mas já aclamada — e que caiu nas graças do cinema.

    Nós nos espalhamos

    O best-seller Estou Pensando em Acabar com Tudo, de 2016, adaptado para a Netflix pelo cineasta Charlie Kaufman (de filmes independentes como Quero Ser John Malkovich), é um exemplo da escrita engenhosa de Reid: ao seguir a viagem de um casal até a fazenda onde os pais do rapaz moram, o autor tece um drama com reflexões filosóficas, em um texto sucinto e envolvente. Habilidoso, ele coloca o leitor na mente da protagonista, passando por suas dúvidas e paranoias, enquanto transita por situações de pesadelo — ou que poderiam compor uma sessão macabra de psicanálise. “Para mim, o suspense é inerente a questões existenciais”, diz Reid, que estudou filosofia na faculdade e quase seguiu a carreira acadêmica antes de se estabelecer como escritor.

    NÓS NOS ESPALHAMOS, de Iain Reid (tradução de Maira Parula; Rocco; 288 páginas, 69,90 reais e 34,90 reais em e-book)
    NÓS NOS ESPALHAMOS, de Iain Reid (tradução de Maira Parula; Rocco; 288 páginas, 69,90 reais e 34,90 reais em e-book) (//Divulgação)

    A fórmula se repete em Nós Nos Espalhamos, terceiro livro do autor, que acaba de ganhar edição no Brasil — e também está encaminhado para virar filme. Na trama, Penny é uma nonagenária obrigada a se mudar para um lar de idosos. A dona da instituição garante que o companheiro de vida de Penny, um artista renomado, teria arranjado tudo antes de morrer para que a mulher tivesse uma velhice tranquila. Ela, porém, não se lembra desse acordo e estranha a nova casa: uma residência no meio do nada, onde vivem apenas três outros idosos e um jovem cuidador. A aparente obsessão da dona da casa pelos quadros deixados pelo artista é desconcertante. Será que ela quer dar um golpe em uma idosa desprotegida? A dúvida conduz o livro pelo ponto de vista de Penny e de sua memória falha, deixando lacunas que causam no leitor a mesma aflição sentida pela protagonista.

    Eu estou pensando em acabar com tudo

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    Reid se inspirou em uma história pessoal: sua avó foi morar em um lar de idosos aos 100 anos de idade, acometida pela demência. Para ele, escrever o livro foi uma forma de assimilar as intempéries da velhice, assim como descobrir suas possibilidades: no asilo, Penny cria novos laços, principalmente com outro idoso, e luta pelo direito de envelhecer em paz. “O mundo nos diz que ser idoso é ruim, mas é possível florescer e desenvolver relações significativas em qualquer idade”, afirma o autor.

    DRAMA PECULIAR - Cena do filme Estou Pensando em Acabar com Tudo: viagem de um casal com clima de pesadelo
    DRAMA PECULIAR - Cena do filme Estou Pensando em Acabar com Tudo: viagem de um casal com clima de pesadelo (Mary Cybulski/Netflix)

    Além da solidão, a escrita do canadense contempla o outro lado da moeda: as conexões entre parceiros amorosos — nem sempre sem ruídos. “Não há nada mais importante no mundo do que as pessoas e os laços entre elas, mas não só em um casamento”, diz o autor solteirão. Em seu segundo livro, Intruso, uma crise matrimonial se desenrola em chave de ficção científica: um jovem casal numa fazenda recebe a visita inesperada de um agente misterioso do governo. Ele representa um projeto de colonização espacial que vai levar humanos para viver por um tempo em uma base espacial, e o protagonista foi escolhido para a viagem. Sua esposa, porém, não ficará sozinha: um substituto será colocado em seu lugar. A trama para lá de peculiar já foi vertida em um filme com Paul Mescal e Saoirse Ronan no elenco — que está previsto para estrear ainda neste ano. “Minha vida é bem pacata, acho que escrevo para injetar um pouco de ação nela”, afirma Reid. Os mistérios da mente, prova ele, são um belo antídoto para o tédio.

    Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837

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