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Edson Celulari: ‘Passei a ver o mundo de forma mais simples’

Após luta contra o câncer, ator global retoma o lugar de protagonista, na TV e no cinema

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 Maio 2018, 08h28 - Publicado em 4 Maio 2018, 08h28
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  • Nos dois últimos anos, a vida de Edson Celulari se transformou. O ator foi diagnosticado, em 2016, com câncer, um linfoma não-Hodgkin, tratado com quimioterapia e radioterapia. No hospital, com o apoio da família e de Karin Roepke, ele prometeu: “quando eu sair dessa, vamos casar na Toscana”. O sonho foi realizado no ano seguinte, pouco depois de anunciar a cura da doença.

    A vida profissional ficou em pausa, exceto por uma participação pequena na novela A Força do Querer. Agora, o ator, que acaba de completar 60 anos, retorna ao lugar do protagonista na TV, com o próximo folhetim das sete, O Tempo Não Para, e no cinema, com o filme Meu Mundo Não Cabe nos Teus Olhos, em cartaz no país. No longa, Celulari interpreta Vitório, um pizzaiolo cego que descobre a possibilidade de enxergar com uma cirurgia – procedimento que afeta a relação com sua esposa (vivida pela argentina Soledad Villamil).

    Confira abaixo a conversa com o ator sobre os novos trabalhos, a recuperação após o câncer e as expectativas para o futuro.

     

    Como foi a preparação para interpretar um cego? Conheci pessoas que convivem com a deficiência, experimentei o dia a dia delas. Porém, mais que interpretar fisicamente um cego, queria encontrar a profundidade desse homem que já tinha superado a falta da visão, que vive com naturalidade. Que tem sentidos mais aguçados que outros. É um homem bem resolvido que se encontra em um conflito, quando a esposa o pede para que ele se submeta à cirurgia que pode levá-lo a enxergar.

    Durante o processo, algo te marcou sobre as histórias que ouviu? Me surpreendi com o fato de que cegos de nascença não querem enxergar, não como a gente enxerga. Pois a maneira como eles veem o mundo, no sentido de entendimento, é suficiente e completo. Não existe sentimento de inferioridade.

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    Seu personagem é um descendente de italianos, como foi remexer nessa sua herança? Meu bisavô era italiano. Eu amo a Itália. Acho a língua italiana a mais bonita do mundo, a mais sonora. A herança que eles nos deixaram na língua, nos costumes, e no hábito de fazer comida com prazer são coisas que me deixam admirado.

    Foi por isso que escolheu a Itália para se casar no ano passado? Sim, primeiro por causa dessa minha paixão pelo país, que minha mulher também tem. E quanto eu estive doente, a gente teve esse sonho. ‘Quando eu sair dessa, se tiver essa chance, vamos casar na Itália, na Toscana.’ E foi o que fizemos. Em uma cerimônia simples, só para família. Foi lindo. Um sonho realizado.

    ‘Quando eu sair dessa, se tiver essa chance, vamos casar na Itália, na Toscana.’ E foi o que fizemos.

    Edson Celulari sobre união com Karen Roepke após luta contra o câncer

    Se desesperou em algum momento do tratamento? No início, quando eu recebi a notícia, bateu aquela coisa: “por que eu?” O famoso “por que eu?”. Pensei nos meus filhos. A gente carrega a responsabilidade dos filhos a vida inteira. Mesmo que eles não precisem mais dos pais, continuamos achando que eles precisam. E você vai estar ali disponível caso eles procurem. Então foi o momento mais difícil. Em dois dias, descobri o que eu tinha. Foi um diagnóstico geral: provavelmente é câncer. Depois, veio a informação de que era um linfoma e que eu tinha mais de 90% de chance de bons resultados. Passei pelas consequências de uma quimioterapia, de uma radioterapia. Mas fui passando, aproveitando também a oportunidade para aprender coisas, me permitir tempo necessário para aquilo.

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    Se ancorou em algo para passar por aquele momento? Não sou religioso, mas acho que entender o processo da doença dá uma humildade, um entendimento das coisas. Ali eu não tinha disfarce, não podia ter. Era o que eu tinha para viver. Contei com a ajuda da minha esposa, dos meus filhos, amigos, familiares. E já superei. Estou cheio de energia e de trabalho.

    Para um galã de novela, como foi completar 60 anos? Nunca me considerei um galã de televisão. Eu sou ator e ator não tem idade. Enquanto você tiver discernimento, memória, então pode trabalhar como ator. Acho que o susto que eu tive com o câncer foi maior. Bate algo estranho quanto à finitude. Fui pego de surpresa e pensei: “Opa! Será que não dá tempo de arrumar a sala? Deixa, antes de eu sair, dar uma arrumada na casa. Me dá uma chance aí”. Então, você passa a ver tudo de forma mais clara, mais simples, mais direta. Finitude é finitude, a idade chega para todo mundo. E a gente torce para continuar a exercer o ofício humano. Estar vivo nas melhores condições possíveis, físicas, mentais, de harmonia e de produtividade. Eu estou orgulhoso dos meus 60 anos, tenho tanto a agradecer tudo que vivi. Tenho tantos amigos, tantas opções, tantos sonhos ainda por viver. O peso da idade, eu não sinto ainda. Daqui a pouco, provavelmente sim. Acho que, naturalmente, o ritmo de trabalho tende a diminuir, mas não significa ser menos produtivo. É o que eu espero.

    “Você passa a ver tudo de forma mais clara, mais simples, mais direta. Finitude é finitude, a idade chega para todo mundo. E a gente torce para continuar a exercer o ofício humano.”

    Edson Celulari sobre câncer

    O que esse sentido de finitude te ensinou? Acho que, assim como o personagem do filme, aprendi a entender o que é importante. O que é suficiente. Você quer ser feliz? Mas o que é essa felicidade que busca? Ter muitas coisas? Conquistar algo? A gente perde um pouco esse senso. Consegui entender o que é suficiente. E a respeitar e aceitar melhor o próximo.

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    Edson Celulari
    Edson Celulari interpreta um deficiente visual no filme ‘Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos’ (//Divulgação)

    Aceitação e tolerância são outros temas abordados no filme que estão em voga, com nossa sociedade dividida. Você tem um lado nessa discussão política? Tenho minhas opiniões, mas não sou uma pessoa que tenta fazer a cabeça de ninguém. As necessidades que temos atingem a todos nós. A primeira coisa que devemos fazer é dar o exemplo. Eu tenho que mostrar aos meus filhos aquilo que eu acho que é correto para o mundo. Depois, é só ampliar em camadas. É o que eu faço, não só o que eu digo. É o que me representa. Sair discursando sobre a qualificação dos nossos políticos, ou do ponto de vista histórico, do valor da arte, da cultura, da educação no nosso país. Enfim, são tantas as necessidades que a gente convive. Eu sou um artista e se eu tenho que dizer algo, vou dizer através do meu trabalho. E não apenas com um discurso.

    O que podemos esperar de sua próxima novela, O Tempo Não Para? Eu estou encantado com esse personagem, o Dom Sabino. A história tem um ineditismo entre as telenovelas, e uma discussão muito atual. Uma família do século XIX, em 1886, em uma viagem para a Europa, sofre um acidente num navio. Ele é um homem de muitas posses, o navio é dele. Antes de ir pra Londres, eles descem para América do Sul, para a Patagônia, seguindo a rota de Darwin. Até que o navio bate em um iceberg e eles afundam. Isso tudo acontece no primeiro episódio. Tem um salto no tempo e eles chegam num bloco de gelo ao litoral paulistano. Eles ficaram congelados por 132 anos e se descongelam nos dias de hoje. É uma comédia. A história vai falar, claro, da reabilitação de alguém que vivia em uma realidade de valores, de ética, de comportamento, de tudo, e precisa encarar outro mundo. Mas também, de uma forma inteligente e inédita, discutir assuntos como a abolição da escravatura, questão do negro na sociedade, situações políticas, heranças que são centenárias na nossa cultura, como a preguiça e o jeitinho brasileiro. Começamos a filmar em abril e estreamos logo após a Copa. Estou feliz e estimulado. Grande história e oportuna. Que vai discutir coisas interessantes com leveza.

     

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