Fã confesso do teatro feito pelo dramaturgo August Wilson (1945-2005), Denzel Washington, 67 anos, curiosamente nunca tinha visto uma montagem de Macbeth, peça incontornável de William Shakespeare (1564-1616). Agora elogiadíssimo por sua atuação em A Tragédia de Macbeth, o ator vê semelhanças entre os dois dramaturgos. “Há quem diga que Wilson é o Shakespeare americano”, disse o ator a VEJA. Prático, Denzel não divaga sobre as idiossincrasias humanas comuns aos personagens dos dois dramaturgos, mas prefere destacar seu instrumento de trabalho: o roteiro. “Há uma musicalidade no texto de ambos. Sinto que estou cantando quando interpreto as peças dos dois”.
De fato, Denzel traz a força e o ritmo de um rapper para o filme que chega nesta sexta-feira, 14, à plataforma de streaming Apple TV+. Ele conta que aceitou o papel e se embrenhou no texto da peça pela chance de trabalhar com “três gigantes” – no caso, Shakespeare, o diretor Joel Coen e a atriz Frances McDormand, que encarna Lady Macbeth. “Era toda razão que eu precisava para fazer este filme”, diz ele, que interpreta o protagonista, um general tomado pela ganância e pela cobiça, a ponto de matar o rei para conquistar o trono.
A raridade de se ter um protagonista negro em um filme shakespeariano, com um elenco “colorblind”, ou seja, no qual os traços e cores dos atores não importam, é atribuída por Denzel a uma evolução da indústria sob a liderança das plataformas de streaming. “Sei que estou em uma posição muito diferente e privilegiada, mas vejo que o streaming aumentou as oportunidades para negros.” Além de A Tragédia de Macbeth, com a Apple TV+, o ator produziu A Voz Suprema do Blues (2020) para a Netflix, e tem o sonho de adaptar dez peças de August Wilson também para o streaming.
Com um cenário e clima teatral, a adaptação da peça de Shakespeare foi gravada em 2020, em plena pandemia. O ritmo de filmagens afetado pelo período, com pausas e equipes enxutas, permitiu ao grupo o luxo de poder ensaiar por um mês inteiro. Algo essencial para o desenvolvimento do roteiro, que primou pelo texto original do bardo. “Joel me deixou muito à vontade. Ele me avisou que criaria um cenário sem muita mobília ou ostentação típica de palácios. O cenário minimalista ajudou a expor esses personagens. Eles não tinham onde se esconder”, conta.
Em uma atuação primorosa, Denzel deve conquistar sua nona indicação ao Oscar pelo papel este ano – ele soma duas vitórias na premiação, uma por Tempo de Glória (1989) e Dia de Treinamento (2001). Ao ser questionado se já foi tomado pela ganância e ambição de um Macbeth, ele brinca: “Com certeza, mas nunca vou admitir isso (risos). Nos Estados Unidos somos treinados para vencer sempre, o que gera muita frustração.” No auge há quatro décadas no cinema, o ator deve carregar pouco esse sentimento.