Em seu novo álbum, Smile (sorria, em português), Katy Perry fala das dores de um período sombrio em sua vida. A cantora teve depressão e, há três anos, chegou a pensar em suicídio após uma breve separação do marido, o ator Orlando Bloom. O disco reflete também uma experiência que trouxe amadurecimento pessoal: semanas atrás, Katy deu à luz sua primeira filha. Ela deixou os temas bobinhos de lado para escrever sobre resiliência, amor-próprio e saúde mental. Seria um repertório infalível, como já provaram tantas cantoras dispostas a expor suas fraquezas e celebrar a superação. Só que não. Ao lançar um trabalho intimista e autocentrado bem quando as pessoas buscam se reconectar umas às outras e exigem que os artistas se posicionem, Katy deu as costas aos temas urgentes nos Estados Unidos e no mundo — a pandemia e os protestos contra o racismo. Ignorar que o mundo virou a página resultou na pior reação possível a um novo disco: a indiferença.
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De Lady Gaga a Beyoncé, passando por Taylor Swift e a própria Katy, as cantoras superpoderosas personificam o pop atual. Coincidência ou não, todas elas lançaram trabalhos durante a pandemia — e os modos distintos como lidaram com as injunções do complexo ano de 2020 trazem ensinamentos curiosos. O grande dilema em comum: diante da realidade baixo-astral e devastadora, é melhor abraçar os fatos ou fazer cara de paisagem? Timing, enfim, é tudo na música pop — e a crise atual só tornou maiores as consequências de ignorar essa regra. Mas o que fazer quando discos já estão prontos e milhões foram investidos em divulgação, com clipes, narrativas ensaiadas e afins? Joga fora no lixo e recomeça do zero?
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Se Katy preferiu seguir seus planos sem mudar uma vírgula, Taylor Swift adotou o caminho oposto. Acostumada a planejar nos mínimos detalhes seus lançamentos, ela abandonou o esperado novo disco que estava produzindo e se enfurnou dentro de casa para escrever em segredo outro álbum, completamente diferente do anterior. Saiu o pop de Lover (2019) e entrou a folk music, como entrega o título do recente Folklore. Taylor demonstrou ser uma artista maleável — capaz de, quando o momento pede, moldar a carreira aos humores coletivos. Nas redes sociais, ela afirmou que a situação global serviu de lembrete de que “nada está garantido”. A bem da verdade, Taylor nem precisou se afastar completamente dos temas que costumava tratar em seus discos anteriores: as letras ainda continuam abordando seus relacionamentos amorosos fracassados. A diferença é que a artista ousou (e agradou) ao descartar um trabalho pronto para fazer outro dentro do espírito da pandemia.
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Não foi o que aconteceu com Lady Gaga em Chromatica. O novo disco já estava para ser lançado, em abril, quando a Covid-19 atingiu o mundo. O álbum seria um retorno bem-vindo da artista ao pop dançante, depois de passear pelo country de Shallow. Com toda a identidade visual definida e os clipes gravados, era praticamente impossível voltar atrás. A saída foi adiar o lançamento em um mês — quem sabe até lá as pistas de dança já não estariam abertas? Não estariam, claro — e Gaga pagou o preço disso. Mesmo após a cantora organizar um bem-sucedido evento on-line da OMS em prol das vítimas da pandemia, Chromatica soou deslocado e fútil (e olha que o disco nem é tão ruim assim, para seu padrão).
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Melhor sorte teve Beyoncé. Se há uma artista capaz de abordar o tema da afirmação racial de maneira que transmita autenticidade, é ela. Seu álbum-visual Black Is King, espécie de longo clipe baseado no live-action O Rei Leão, da Disney, saiu do forno já destinado a ser a perfeita tradução pop dos protestos antirracismo do Black Lives Matter. Beyoncé mescla referências que vão do Hamlet, de Shakespeare, ao afrofuturismo (mistura de estética high-tech com elementos da cultura africana), acrescidos de boas pitadas de empoderamento feminino e religiões afro. O pulo do gato foi lançá-lo no serviço de streaming Disney+, dando-lhe uma aura de exclusividade. Em suma: mais uma vez, Beyoncé se mostrou senhora de seu destino.
Há, por fim, quem prefira a cautela. O aguardado novo álbum de Adele, previsto para sair neste mês, foi adiado e não tem nova data definida. A justificativa, óbvio, é a pandemia. O empresário da cantora, Jonathan Dickins, disse a jornais britânicos que o disco “ficará pronto quando estiver pronto”. Diante de um dilema que envolve tanta grana e a própria imagem, Adele não teve dúvidas: preferiu não medir forças com esse tal de 2020.
Publicado em VEJA de 9 de setembro de 2020, edição nº 2703
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