O julgamento do cineasta canadense Paul Haggis por estupro começou nesta quarta-feira, 19, quando o diretor de Crash: No Limite se sentou no banco dos réus em Nova York para se defender do caso que teria acontecido em 2013. Em dezembro de 2017, ainda na efervescência do movimento MeToo, a publicitária Haleigh Breest acusou o cineasta de tê-la estuprado em sua casa após a exibição de um filme em Manhattan. A defesa de Haggis, no entanto, afirma que a relação foi consensual, e apelou até para a cientologia para tentar se livrar da acusação.
Isso porque, em 2009, Haggis abandonou a cientologia após 35 anos de filiação alegando não concordar com a oposição do grupo ao casamento homossexual. Segundo os argumentos iniciais dos advogados, a defesa sustenta, de forma conspiratória, que a acusação de estupro foi movida em retaliação à sua decisão de deixar a igreja e criticar suas práticas. “A cientologia é muito bem-sucedida em destruir seus inimigos sem deixar uma única impressão digital para trás”, disse a advogada de defesa Priya Chaudhry no discurso de abertura. A defensora ainda citou um artigo da revista New Yorker de 2011 no qual Haggis disse que dentro de dois anos, o público leria “algum escândalo” sobre ele “que parece não ter nada a ver com a igreja”.
Controversa e popular entre famosos como Tom Cruise e Elizabeth Moss, a cientologia foi criada em 1954 por L. Ron Hubbard, um escritor de livros de ficção científica. Sua doutrina prega que o homem é um ser imortal, com capacidade espiritual ilimitada, mas para usufruir dela precisa se submeter a sessões intensivas de confissão, purgações e rituais doutrinários. Em 2012, VEJA ouviu uma série de ex-fiéis que relataram perseguições e ameaças após deixarem a igreja. No livro Deixando Claro: Cientologia, Hollywood e a Prisão da Fé, de Lawrence Wright, inspirado, inclusive, pelos relatos de Haggis, a cientologia é descrita como uma seita que exige disciplina férrea e quem tenta abandoná-la é submetido a chantagens e ameaças. Também há relatos de abuso sexual e agressão por parte dos líderes.
O advogado de Breest, no entanto, refuta que o caso tenha qualquer ligação com a igreja. “Haleigh Breest não tem nada a ver com a cientologia”, proclamou ao tribunal. “As evidências neste caso mostrarão que Haggis usou sua fama e habilidade de contar histórias para predar, manipular e atacar mulheres jovens e vulneráveis na indústria cinematográfica”, complementou a advogada Zoe Salzman.
A publicitária relata que o cineasta a convenceu a beber em seu apartamento depois da estreia de um filme, ao invés de irem a um bar. Lá, ela alega que Haggis a forçou a fazer sexo oral e depois a estuprou. Breest relatou o caso a amigos em 2013, mas só denunciou à polícia em 2017 por medo de retaliação. Durante o julgamento, seu advogado mencionou que a cliente decidiu falar depois que Haggis condenou Harvey Weinstein na imprensa pelos casos de agressão sexual.
Embora apenas Breest esteja processando Haggis, os jurados também ouvirão outras quatro mulheres que acusam o diretor de agressão sexual. Nancy Manoogian, a primeira a falar, alega que Haggis a agrediu sexualmente em 1996, quando era publicitária de cinema e televisão no Canadá. Quando tentou rejeitar seus avanços, Manoogian diz que foi questionada: “Você quer manter seu emprego? Você quer continuar trabalhando?”. Ela alega que ele a obrigou a fazer sexo oral. “O testemunho delas mostrará que Paul Haggis não para quando você diz ‘não’”, disse Salzman aos jurados. “Ele não para quando o empurram. Ele não para quando elas lutam. Ele não ouve sobre consentimento.”, finalizou.