Desconhecido do grande público até pouco tempo atrás, o escritor argentino César Aira vive, aos 75 anos, sua fase mais estelar. Seus livros foram traduzidos para 37 idiomas e são estudados mundo afora. Além disso, ele vê seu nome subir anualmente nas bolsas de apostas ao Nobel de Literatura, disputando a liderança em sites especializados com nomes como Haruki Murakami e Salman Rushdie. Na esteira do sucesso, a editora Fósforo lança agora em abril quatro títulos de Aira, O Vestido Rosa, Atos de Caridade, O Congresso de Literatura e A Prova — todos inéditos no Brasil. A trajetória do autor ganha mais interesse quando analisada em que contexto acontece. Não é fácil ser um escritor de sucesso global. Na sua Argentina de origem, destacar-se em meio à nobre concorrência é ainda mais difícil. Pátria de Jorge Luis Borges, Júlio Cortázar, Silvina Ocampo, Ernesto Sabato e Adolfo Bioy Casares — só para citar alguns entre tantos —, a nação tem uma tradição literária muito forte.
Há quem considere que o país produziu a melhor literatura da América Latina até hoje. Aira discorda. Para ele, Brasil e México, nesta ordem, têm históricos mais robustos. As idiossincrasias não param por aí. Desde seu primeiro livro, de 1975, ele escreve praticamente todos os dias. Com isso, produz, em média, 300 páginas por ano. Como seus livros são deliciosamente curtos, Aira já publicou 103 romances, quinze títulos de ensaios e duas peças. Mesmo com obra tão vasta, ele confessou recentemente ter mais de quarenta livros prontos para serem editados.
O congresso de literatura – César Aira
Natural de uma minúscula cidade chamada Coronel Pringles, ele se mudou para Buenos Aires no final da década de 1960. Desde então, reside em Flores, um bairro portenho raiz, morada de trabalhadores da baixa classe média local. Outro fato curioso é a forma como cuida de sua obra. Ao longo de décadas, Aira vem cultivando sua carreira em diferentes casas editoriais. A maioria delas, pequenas e independentes. Reserva alguns inéditos que considera melhores para as grandes editoras, presentes em todos os países de língua espanhola.
Como muitas das tiragens de suas publicações são exíguas, Aira está ao mesmo tempo em diferentes locais e em lugar nenhum. Há método nessa loucura. Alguns de seus livros tiveram menos de 100 exemplares numerados e assinados. Hoje, as primeiras edições são cobiçadas por colecionadores e valem pequenas fortunas. O processo se repete no Brasil. Desde meados da década de 2000, suas obras já saíram por seis editoras nacionais, três delas bem pequenas — com tiragens esgotadas e preços em alta em sebos virtuais.
Aira bebe de diversas fontes para criar sua literatura concisa, mas impactante. Crítico da atual onda de autoficção, ele se mantém fiel à invenção, gosta de criar histórias que dialogam tanto com a erudição de Borges como com o realismo ensaístico de Ricardo Piglia, passando ainda pelo fantástico do Cortázar. Entre os lançamentos, Congresso de Literatura é o título mais famoso, por trazer o próprio autor como protagonista. Em A Prova, niilismo punk e referências pop culminam num final inesperado. Atos de Caridade é uma fábula mordaz sobre as contradições da caridade no cristianismo. Mas o melhor é O Vestido Rosa, pequena saga inspirada num conto de Guimarães Rosa. Os quatro livros são uma boa amostra dos “brinquedos literários para adultos” que o autor produz, em sua definição. O hermano diferentão é, sem dúvida, um craque.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2024, edição nº 2888