Após o final da missa na igreja local, Irene (Maeve Jinkins) decide falar com o padre a sós. O objetivo da conversa é se sentir menos culpada pela ação que está prestes a tomar. Com o pai acamado, praticamente em estado vegetativo, ela questiona se não seria da vontade de Deus que ele morresse logo ao invés de ficar vivo sofrendo. O questionamento vem em um momento oportuno, quando uma nova enfermeira do SUS faz uma proposta à Irene: por uma quantia polpuda de dinheiro, ela deveria matar o idoso para dar lugar na paupérrima casa, onde vive com o marido e o filho, a um rico traficante argentino que forjou a própria morte. Ao mergulhar no interior do Brasil, o filme nacional Carvão, em cartaz nos cinemas, faz um retrato universal das hipocrisias que se escondem entre as mais diversas famílias, independente de classe social, e como o dinheiro pauta todas elas.
O filme, exibido durante a 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, marca a ótima estreia de Carolina Markowicz na direção de longas. Irene, a matriarca, vive em situação precária com o marido (Rômulo Braga) e o filho (Jean de Almeida Costa). Quando a “chance” de melhorar de vida bate a porta, todos na casa passam por mudanças que escancaram questões que estavam adormecidas, que vão dos casos extraconjugais do marido com o vizinho, até a forma como a protagonista tenta esconder o assassinato do pai.
A carvoaria da família, com seu rendimento pífio, é substituída pela mesada do novo morador — que vê com asco a casa e seus anfitriões, enquanto passa o dia usando drogas. Neste tempo, o traficante desenvolve um vínculo de amizade com o filho do casal, o que provoca mudanças no garoto e em seu comportamento. Ao fazer uma análise precisa, Carvão vai além de histórias clichês sobre o que uma pessoa está disposta a fazer por dinheiro. Neste caso, a recompensa por abrigar um fugitivo vai muito além: ela revela, sem dó nem piedade, as hipocrisias escondidas em cada um, do criminoso declarado à boa mãe de família.