Uma das mais argutas máximas do universo da moda diz que “Chanel deu a liberdade à mulher, Yves Saint Laurent, poder”. É fato. Uma das heranças de YSL para o poderio feminino foi a de ter incorporado ao vestuário, no início da década de 60, de mãos dadas com o espanhol Cristóbal Balenciaga, as botas over-the-knee, acima do joelho, como símbolo de autoridade, ousadia e até de um certo atrevimento. Agora, passado o período mais crítico da pandemia da Covid-19, os acessórios voltam aos pés como tendência da temporada. Com uma novidade: há opções também para homens.
Práticos e versáteis, os modelos estão nas coleções de algumas das principais grifes do mundo. Em Nova York, Prabal Gurung, Michael Kors, Brandon Maxwell, Oscar de la Renta e Carolina Herrera apresentaram os seus desenhos. Em Milão, os desfiles de Bottega Veneta e Dolce & Gabbana impressionaram com as botas de cano longuíssimo. Em Paris, Givenchy, Giambattista Valli, Christian Louboutin e a própria YSL puseram nas passarelas versões em tecidos variados, cheias de detalhes, estampas e até em composições com meias, como fez lindamente a Hermès. As cores seguiram o que a estação preconiza. Ainda que as botas pretas continuem sendo as mais desejadas, as extralongas estão disponíveis em matizes que vão do vinil azul da francesa Isabel Marant ao vermelho da estilista brasileira Gloria Coelho, sem contar as metalizadas, prateadas e douradas, em tons futurísticos retrô como as botas da passarela da francesa Courrèges.
Além de figurarem como estrelas de qualquer visual, transmitem enorme sensualidade. Quando surgiram, no entanto, o que hoje é celebrado nas pernas de gente como a atriz Marina Ruy Barbosa e a americana Kim Kardashian, não caíam assim tão bem, ao menos no olhar dos mais conservadores. Elas seriam sexy demais. As que vestiam os modelos eram consideradas ousadas e sem compromisso com o recato que seria pertinente às moças de um tempo ainda pudico. De fato, usar uma over-the-knee nas décadas de 60 e 70 era privilégio das mulheres que estavam à frente do tempo e não tinham amarras que as prendessem aos códigos convencionais de vestimenta.
Basta ver, por exemplo, Brigitte Bardot, a magnífica atriz francesa, símbolo indelével de liberação feminina. Os modelos extralongos foram um de seus preferidos. Calçavam também a atriz inglesa Jane Birkin, conhecida por romper com padrões de comportamento nos agitados anos de revolução sexual da segunda metade do século XX. Hoje, a afirmação do poder sobre o próprio corpo deixa as mulheres livres de julgamentos enviesados simplesmente porque desejam usar este ou aquele modelo de roupa ou calçado, o que é muito bom. Além disso, em nome da diversidade, há versões que podem ser usadas por eles, o que, sem dúvida, é fato a ser comemorado. E o mundo caminha para lá de sete léguas.
Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787