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‘Bom Sucesso’ triunfa no ibope com trama calcada na literatura

A novela enobrece o horário das 7 ao abordar com graciosidade o universo dos livros, combinando o êxito na audiência com a façanha de estimular a leitura

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h29 - Publicado em 11 out 2019, 06h00
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  • No bairro de Bonsucesso, periferia do Rio de Janeiro, Paloma (Grazi Massafera) suspira ao ler a declaração de amor de Cyrano de Bergerac à sua prima Roxane. “É tão lindo. É alegre, engraçado, mas também é triste. Igual à vida”, diz ela ao namorado, Ramon (David Junior), enquanto divaga sobre a beleza da peça de 1897 escrita por Edmond Rostand. Distante dali, em um pedaço nobre da cidade, o Jardim Botânico, o empresário Alberto (Antonio Fagundes) se emociona com a mesma leitura e abraça a obra, lembrando de sua amiga e musa Paloma.

    A sequência de Bom Sucesso, atual novela das 7 da Globo, seria só de um romantismo prosaico não fosse a audácia a que se propõe: indicar um clássico da literatura francesa de forma didática, mas graciosa, numa comédia ligeira da faixa de horário na qual jovens e donas de casa buscam, normalmente, apenas uma diversão fugaz antes do jantar. Os criadores da trama, Paulo Halm e Rosane Svartman, vão além: todos os capítulos oferecem pílulas de algum clássico da literatura, nacional ou mundial, sem cair em clichês, nem resvalar na abordagem tediosa que se costuma associar a iniciativas assim na TV aberta. Ao contrário: com uma trama embalada pela literatura, a novela atingiu a média de 30 pontos em São Paulo, o melhor resultado no horário desde 2007. É uma façanha elogiável.

    Paloma e Alberto são opostos que se descobrem complementares quando exames trocados dão à moça a sentença de apenas seis meses de vida — resultado que recai sobre Alberto quando o erro do hospital é desfeito, e descobre-se que ele tem leucemia. Paloma é uma costureira, mãe solteira e pouco afeita às amarras sociais — tem filhos de pais diferentes, gosta de um bom samba e peita quem quer que seja em prol de suas verdades e de seus rebentos. Já Alberto é um velho rabugento e fechado, pai distante, dono de uma editora que luta contra a falência. Alberto contrata Paloma como acompanhante em seus últimos meses de vida. Ela lhe apresenta as felicidades da vida suburbana. Ele a introduz na literatura. O encanto mútuo pelo francês Bergerac acontece num momento em que os dois estão separados: ao ser chantageado pela filha, Nana (Fabiula Nascimento), e seu genro, o vilão Diogo (Armando Babaioff, ótimo), Alberto demite Paloma para protegê-la de ser acusada de roubo com uma prova falsa — o que o deprime em pleno tratamento. Alberto se sacrifica por sua musa, assim como Bergerac pela bela e inalcançável Roxane.

    A novela, com realização do diretor artístico Luiz Henrique Rios e do diretor geral Marcus Figueiredo, traz pílulas de encenações de trechos das obras, com Grazi e Fagundes vestindo roupas de época em um cenário teatral. Esse foi o recurso adotado pelos autores para apresentar, de forma sedutora, não só livros eleitos por eles: parte das sugestões é do próprio Fagundes. Leitor que devora de dois a três livros por semana, o ator queria “contaminar” o espectador com a satisfação que a leitura traz. Foi Fagundes, aliás, quem sugeriu a citação a Bergerac, personagem interpretado por ele no teatro. O veterano ainda expandiu suas dicas para além da novela: desde setembro, ele conduz o podcast Clube do Livro por Antonio Fagundes. “É um universo que me encanta. A literatura ajuda o leitor a se reconhecer, formar sua cidadania, criar empatia”, diz o ator.

    A ideia de um folhetim embalado por clássicos nasceu de uma experiência de Rosane na Bienal do Livro do Rio em 2017. “A força do evento, com 600 000 pessoas celebrando a literatura, foi inspiradora”, conta. Já o cruzamento de narrativas não é novidade para os autores, que conquistaram o público com Totalmente Demais (2015), trama das 7 que celebrava o cinema. “Faz parte da nossa carpintaria atravessar a fronteira da novela”, diz Halm.

    Literatura e novelas são amigas de longa data, desde adaptações de livros como Gabriela, Cravo e Canela (1958), de Jorge Amado, até releituras como Êta Mundo Bom!, que bebeu do Cândido (1759), de Voltaire. Mas Bom Sucesso avança no modo de tratar da literatura em novelas. As obras são parte central da trama, que fala até da crise das livrarias. De Shakespeare a Machado de Assis, as citações são uma delícia. “Amei quando um jovem no Twitter disse que pegou na biblioteca os títulos que viu na novela”, comemora Rosane. Com sua bela cruzada, Bom Sucesso faz jus ao nome.


    UM FOLHETIM, QUATRO CLÁSSICOS

    Os livros que servem de inspiração para os principais personagens de Bom Sucesso

    Bom Sucesso – Alberto – Antonio Fagundes

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    ALBERTO
    (Antonio Fagundes)

    O clássico: Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616)

    Assim como o célebre personagem, o empresário com uma doença grave vivido por Fagundes é um idealista apaixonado pela leitura. Ambos se recusam a aceitar a decadência de suas atividades: enquanto Dom Quixote valoriza a honra da cavalaria, Alberto luta por sua editora


    Grazi Massafera é uma das atrizes que está negociando trabalho na HBO

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    PALOMA
    (Grazi Massafera)

    O clássico: Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (1832-1898)

    Moça sonhadora e audaciosa, a heroína defendida por Grazi cai de paraquedas num mundo de seres estranhos, à maneira de Alice. Mas, em vez de cruzar com o coelho apressado e o Chapeleiro Louco, a suburbana se vê de repente rechaçada por ricaços da Zona Sul carioca


    Bom Sucesso – Marcos – Romulo Estrela

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    MARCOS
    (Romulo Estrela)

    O clássico: Peter Pan, de J.M. Barrie (1860-1937)

    O filho bon-vivant de Alberto se inspira no líder dos garotos perdidos da Terra do Nunca: tem sérios problemas com a maturidade e, por muito tempo, preferiu a praia a pegar no batente. Tudo bem: desde que ele surja em cena descamisado, as espectadoras perdoam os pecadilhos


    Bom Sucesso – Naná – Fabiula Nascimento

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    NANA
    (Fabiula Nascimento)

    O clássico: A Bela e a Fera, de Gabrielle-Suzanne Barbot (1695-1755)

    Independente e altiva, Nana é a Bela que tenta constantemente provar sua força e seu valor ao pai, Alberto — que é um óbvio correspondente folhetinesco da Fera: ele vê a filha como sucessora, mas a trata com frieza e distância.

    Publicado em VEJA de 16 de outubro de 2019, edição nº 2656

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