Os veteranos Abba e Elton John encararam neste ano um dilema para lá de inesperado. Com novos álbuns prontíssimos, eles entraram na mesma fila dos novatos Taylor Swift e Ed Sheeran para conseguir um espaço na abarrotada agenda das poucas fábricas que ainda prensam discos de vinis. “Tivemos de correr”, disse Sheeran, ao se referir ao imbróglio. Sim, você leu certo, vinil, o velho bolachão com lado A e lado B, que há três décadas se tornou um pária na indústria, definitivamente voltou às paradas. Quem provocou essa surpreendente disputa entre membros do Monte Olimpo da música tem nome (e não precisa de sobrenome): Adele. A diva britânica monopolizou as fábricas de LP ao encomendar de cara meio milhão de cópias de seu quarto e novo disco, 30 — título que dá continuidade aos nomes dos álbuns anteriores, batizados, respectivamente, de 19, 21 e 25, cada um representativo da idade que ela tinha quando compôs as músicas. A “crise do vinil” carimba a força e a voracidade da cantora, que, contra as expectativas, continua quebrando recordes de vendas — seja lá qual for o formato.
Dona da impressionante marca de 60 milhões de discos vendidos no mundo, com apenas três álbuns em catorze anos, Adele despontou em um período de transição da indústria fonográfica. Seu álbum de estreia, 19, de 2008, foi lançado quando a venda de álbuns físicos em CD caía vertiginosamente, enquanto plataformas de streaming, como Spotify e Deezer, engatinhavam (veja o quadro). O período foi crítico para o setor, que demorou a aceitar como definitivo o novo hábito de ouvir música on-line. Enquanto arrumava a casa, o mercado se surpreendia com Adele. Em 2011, 21, da cantora de vozeirão potente e letras românticas (de arrancar lágrimas até dos representantes da “sofrência” brasileira), alcançou o posto de disco mais vendido do século XXI, com 31 milhões de cópias comercializadas no mundo.
O histórico notável, porém, não é garantia de que Adele continuará inalcançável. Seu novo álbum chega após um hiato de seis anos — a cantora não segue o ritmo de outros artistas, que lançam discos no máximo de dois em dois anos. Apesar de se tratar de um passado recente, muita coisa mudou desde 2015, quando ela divulgou 25 — na época, o álbum passou sete meses exclusivo para venda em formato físico antes de chegar ao streaming. Algo inimaginável atualmente. Assim, Adele fará agora sua estreia com um lançamento direto no mundo virtual, o que representará um novo desafio à artista. É fato que nunca na história se ouviu tanta música como hoje em dia. Por outro lado, os discos arrasa-quarteirões minguaram e os números de venda de álbuns físicos, parâmetros do sucesso até aqui da cantora inglesa, deixaram de ser usados como única régua de sucesso na indústria.
É nessa seara que o 30 de Adele acaba de entrar. A medição do que é mais ouvido nas paradas musicais mudou desde o último álbum dela. Amparada em multimétricas, essa nova contabilidade considera que 1 250 reproduções de músicas de determinado artista, ouvidas ou baixadas nas plataformas de streaming pagas, equivale a um disco vendido. Enquanto isso, o vinil passou a ocupar um nicho de mercado, tornando-se objeto de desejo até para o público jovem que não era contemporâneo do formato: em 2020, o mercado de LPs superou, pela primeira vez desde 1986, a receita dos CDs. Curiosamente, os ídolos teen Harry Styles, 27 anos, e Billie Eilish, de 19, foram os campeões de vendas no formato no ano passado.
A julgar pelos resultados dos primeiros dias, a força de Adele continua impressionante. O single Easy on Me se tornou a música de maior reprodução diária no lançamento, com 19,7 milhões de execuções no Spotify. É um sinal forte de que a cantora de 33 anos tem potencial para continuar sendo um furacão de categoria 5 na indústria. Seu calcanhar de aquiles, ironicamente, é a repetição da mesma fórmula que a alçou ao sucesso. Uma das maiores representantes do filão da dor de cotovelo, Adele volta a entoar no novo disco baladas tocantes, sobre amor e separação, com o vozeirão hipnotizante. A diferença é que, desta vez, a cantora faz uma autocrítica e olha mais para si do que para os homens que lhe fizeram sofrer. Quando completou 30 anos, em 2018, a cantora se separou de Simon Konkecki, pai de seu filho, Angelo, de 9 anos. A notícia chegou a ser vergonhosamente comemorada pelos fãs: uma decepção amorosa era o que faltava para Adele chorar suas dores em músicas inéditas. Não foi exatamente isso o que aconteceu. “Os outros discos eram sobre o que fizeram comigo: ‘Você fez isso’, ‘Você fez aquilo’. Então, pensei: ‘Droga, eu estou sempre nessa situação, então talvez o problema seja eu’”, disse.
O novo álbum continua com o selo Adele de qualidade: emocionante e arrebatador. Porém não oferece nenhuma faixa com a força dos hits do passado Hello, Someone Like You ou Rolling in the Deep. Boa parte das músicas é orquestrada e sua sonoridade remete às trilhas sonoras de filmes dos anos 60. Nas letras, a maturidade dá as caras. Se nos discos anteriores ela se ressentia do fim de um namoro, agora ela sacode a poeira e dá a volta por cima. Easy on Me, aliás, é a única das doze faixas a mencionar o divórcio. As demais passeiam por temas inéditos ou raros para ela, como a maternidade e até uma noitada com as amigas. Na ótima I Drink Wine, Adele percebe que buscar a aprovação alheia é inútil. Já a emotiva My Little Love é um forte desabafo sobre as inseguranças de ser mãe. A melancolia típica da cantora está presente, mas a sensação que fica é a de superação. Em All Nights Parking Out, sai o chororô pelo ex e entra a felicidade da solteirice, quando ela canta que almeja voltar logo para casa e passar a noite em claro com o novo crush. A fila andou para Adele, o que ajuda as engrenagens do sucesso a continuar rodando em ritmo acelerado nesta nova fase da artista.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765
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