Num julgamento sumário feito pelo tribunal da internet, Anitta foi “cancelada”. O termo das redes sociais é um recado claro: “Até segunda ordem, não conte com a gente para nada”. É verdade que a cantora foi parar no banco dos réus no último domingo 20 mais como cúmplice do que como autora, mas o júri se decidiu pelo conjunto da obra. Ela foi considerada culpada. Seu crime foi traição.
Certamente, a artista não esperava que terminaria o final de semana em tal posição. Vestindo uma regata com um arco-íris estampado no peito, ela subiu ao palco para um ensaio aberto do seu Bloco de Poderosas. O figurino era uma homenagem ao álbum Rainbow, de Mariah Carey, de quem é fã, e um agrado no seu público, formado em grande parte por membros da comunidade LGBT, que leva o mesmo colorido em sua bandeira.
Nos últimos anos, lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais ajudaram com cliques, audiência e dinheiro a cantora a chegar ao posto de uma das artistas mais celebradas no país, dando forças para que ela aspirasse a uma carreira internacional. Alçada a ícone gay, a artista abraçou a causa. Gravou clipes beijando mulheres e, na Parada LGBT de São Paulo, no ano passado, literalmente vestiu as cores do movimento.
Apoiar causas está na moda. Há cerca de cinco anos, relatórios de escritórios especializados em apontar tendências mostravam que um produto ganharia valor se houvesse um discurso por trás. No futuro, as pessoas não estariam mais interessadas em gastar com uma camiseta ou um ingresso de um show, elas comprariam uma ideia concretizada naquele objeto. Pois bem, o futuro chegou e as marcas e artistas estavam preparados para isso. A bandeiras do feminismo e da luta contra a homofobia e o racismo, empunhadas genuinamente ao longo de anos por apenas algumas dezenas de artistas e empresas, ganharam centenas de novos parceiros de peso.
Parecia bom para todos, mas era cilada. Pelo menos em parte dos casos, daqueles que escolheram vestir camisas só por causa da onda, sem uma identificação verdadeira com a bandeira abraçada. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Não bastava posar para foto em um ambiente controlado. Era preciso defendê-la também nos momentos difíceis.
Anitta descobriu isso durante as eleições presidenciais, as mais polarizadas dos últimos anos. Naquele momento, a comunidade LGBT cobrou um posicionamento claro da cantora em favor dos valores históricos defendidos pelo movimento. Exigiam, no mínimo, empatia da artista com a bandeira que, poucos meses antes, ela havia vestido. A declaração demorou a chegar e só veio após um desafio de Daniela Mercury.
No último domingo, Anitta passou por outro momento delicado em sua relação com o movimento LGBT. Em determinado momento de seu show, ela convidou ao palco o amigo Nego do Borel, que dia antes havia feito comentários transfóbicos à travesti Luisa Marilac. O público vaiou. Mais tarde, nas redes sociais, a cantora foi criticada. Sobrou até para Madonna, com quem a brasileira insinuou que faria uma parceria. Anitta usou o Instagram para se defender: “Algumas atitudes que ele (Nego) tem tomado na carreira não condizem com a minha carreira. Já conversei com ele, é um assunto de amigos”.
É nobre não virar as costas para amigos que falam o que não devem e querer ajudar a torná-los pessoas melhores. Porém, Anitta poderia ter feito isso de forma privada. Obrigar o público LGBT, que compunha boa parte da plateia daquele show, a ouvir um artista que uma semana antes havia sido transfóbico foi mais do que falta de timing. Mais uma vez, faltou a Anitta empatia com a causa que ela abraçou.
O veredito colocou a cantora no rol dos artistas “cancelados” pelos LGBTs, ao lado de Ivete Sangalo, que também não se posicionou durante as eleições. Resta saber o quanto esse boicote vai durar. A baiana ficou no limbo por pouco tempo. Em dezembro, ela gravou um DVD em São Paulo num show com ingressos esgotados, boa parte comprada por gays. Será que, após a tempestade e aos primeiros raios do Carnaval, Anitta ainda encontrará o seu pote de ouro no final do arco-íris? Veremos.