Há coisa de duas semanas, a banda Jovem Dionisio se contentava com a escalação para um festival de alcance local em sua Curitiba de origem, no qual lhe caberia “esquentar” o palco para as atrações principais, tocando no ingrato horário das 14 horas. Donos de composições intimistas que falam sobre amor e desilusões, os cinco rapazes de classe média só eram conhecidos no restrito círculo do rock alternativo. Haviam escrito apenas uma canção que destoava do repertório. Feita a título de brincadeira, a letra em questão se valia de humor frugal para contar a história de Pedrinho, um senhor que jogava sinuca no boteco que eles frequentavam, mas dormia de bêbado nas partidas.
Pois a despretensiosa Acorda, Pedrinho se revelou uma tacada de mestre: na véspera do festival, a música viralizou no TikTok, alçando o grupo ao primeiro lugar das paradas brasileiras do streaming. Os efeitos foram imediatos. No dia seguinte (sábado, 21 de maio), o show das 14 horas lotou, famosos como Anitta postaram vídeos dançando o hit improvável, e eles receberam convites para ir a programas da Globo e do SBT no mesmo fim de semana.
O pop rock calcado em letras irreverentes não é desconhecido dos brasileiros. De Eduardo Dussek e Leo Jaime nos anos 80, passando pelos Mamonas Assassinas nos 90, letras engraçadinhas escoradas em melodias pueris sempre se mostraram uma boa fórmula. Mas, desde o sucesso de Anna Júlia, canção da banda carioca Los Hermanos que virou quase praga bíblica em 1999 — e chegou a ser gravada por Jim Capaldi (ex-Traffic), com direito a uma canja na guitarra do beatle George Harrison —, um fenômeno não se impunha nas paradas em velocidade tão célere. Na terça-feira 31, mais de uma semana após estourar, Acorda, Pedrinho seguia no topo. A banda era a única de pop rock nacional no Top 50 do Spotify brasileiro, dominado pelo rap, funk e sertanejo.
Los Hermanos Na Fundicao Progresso
Formada pouco antes do início da pandemia pelos amigos Bernardo Pasquali (voz), Gustavo Karam (baixo), Bernardo Hey (teclado) e pelos irmãos Rafael (guitarra) e Gabriel Mendes (bateria), com idades entre 24 e 27 anos, a Jovem Dionisio só foi lançar seu primeiro álbum em março deste ano. Antes, porém, eles já haviam experimentado um gostinho do sucesso com o single fofo Pontos de Exclamação, lançado há dois anos e que já acumulou 31 milhões de execuções no Spotify, além de participação especial na música Aguei, de Anavitória, e Algum Ritmo, dos Gilsons. Exceto por Acorda, Pedrinho, todas as outras faixas do álbum cortejam um público, por assim dizer, descolado. “Nossas referências vão de Arctic Monkeys a Tim Maia”, diz Pasquali, que define a Jovem Dionisio como uma “boy band de boteco”.
A grande inspiração, contudo, vem mesmo dos Los Hermanos. “Sabemos o que Anna Júlia representou. Quando eles tocam a música nos shows, eu até choro”, diz Pasquali. Em 6 de novembro, a Jovem Dionisio será uma das atrações da primeira edição brasileira do festival espanhol Primavera Sound, em São Paulo, ao lado dos ídolos do Arctic Monkeys. Se até lá Acorda, Pedrinho continuará sendo um trunfo para os curitibanos ou se se tornará uma sina que ninguém vai aguenta mais ouvir, incluindo seus criadores, só o tempo dirá.
Publicado em VEJA de 8 de junho de 2022, edição nº 2792
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