Sem limite no cartão para realizar uma compra online, Tamires Cristina, 30 anos, estava destemida de pegar um ônibus no Rio de Janeiro com destino a São Paulo, em março, para encarar uma longa fila diante da bilheteria do estádio Allianz Parque. O motivo: comprar ingressos para o show do grupo sul-coreano BTS, que se apresenta nos dias 25 e 26 de maio no local, e realizar o sonho de sua filha Isabelle Bender, 12 anos, fã da banda, fenômeno do gênero musical k-pop.
A jornada para conseguir as entradas mudou de rumo quando uma generosa conhecida da família emprestou o cartão de crédito e conseguiu adquirir os ingressos pela internet. Tamires, contudo, já havia pedido demissão do emprego de gerente de marketing em uma escola de atores para encarar a aventura. Ela e o marido, Vagner da Fonseca, 39 anos, aliás, estavam mais do que comprometidos com a ideia. Ele entregou o carro alugado, com o qual trabalhava com um aplicativo de motoristas, e a família completa chega em São Paulo nesta sexta-feira, 24. “Se eu não comprar os sonhos dela, quem vai?”, diz a mãe. A trupe vai se revezar entre um hotel e o acampamento que, desde fevereiro, quando os shows foram anunciados, se instalou nos arredores do estádio.
Isabelle e sua família não estão sozinhas entre as histórias, por assim dizer, excêntricas, de fãs que enfrentaram os mais diversos calvários pelos ídolos sul-coreanos de aparência andrógina. Na praça ao lado do portão B do Allianz, onze barracas, nomeadas de B1 a B11, se instalaram com bastante antecedência por ali e são administradas como se fossem startups. Cada uma delas conta com grupos de até sessenta pessoas que se revezam em turnos e possuem no mínimo um administrador, responsável por controlar as horas de escala e o dinheiro investido por cada fã. Tudo é anotado. É por meio desse “banco de horas” que a posição na fila, no dia do show, será definida.
O clima geral é uma mistura de cansaço e animação. No dia a dia, a lanchonete ao lado da praça garante as idas ao banheiro, assim como um posto de gasolina 24 horas. O banho é em um motel próximo, por 10 reais. E a alimentação é um misto de marmitas, salgadinhos e bolachas compartilhados pelos fãs. “A gente toma chuva, passa fome e frio, não consegue dormir. Tem louco de madrugada que vem balançar as barracas. É complicado, mas tirando isso, é bom. Fiz amizades que levo para a vida”, diz Geovana Souza Silva, 17 anos.
Entre os aventureiros, estão novatos e veteranos na arte de acampar por um show. Geovana é do grupo dos veteranos. A jovem de São Paulo acampa desde os 13 e já chegou a ficar seis meses na fila para ver o BTS em 2017, quando o grupo passou pelo país com a turnê Wings. Este ano, ela encara, desde fevereiro, a rotina de escola pela manhã e acampamento no período da tarde — e em algumas noites. “A minha mãe acha loucura, mas dorme comigo na barraca. Ela vem, mas vem reclamando”, conta a estudante que gastou 805 reais em ingressos para os dois dias de shows. Já Abne Gilmar, 20, encara pela primeira vez as dores e delícias de um acampamento pré-show. “Foi também minha primeira vez num avião”, conta o rapaz de Florianópolis, que chegou na capital paulista no começo de maio e, desde então, alterna turnos com noites mal dormidas na barraca e descansos na casa de uma amiga. Membro de um grupo de dança de k-pop, ele tirou férias do trabalho e separou os cerca de 3.000 reais recebidos para a viagem.
Para quem o fenômeno escapa, vale dizer que o BTS surgiu em 2013 e se alastrou pelo mundo, ganhando espaço em premiações como o Grammy e o Billboard Music Awards – neste último, aliás, eles conquistam com frequência o prêmio de Social Artist, pela força nas redes sociais, desbancando nomes como Justin Bieber e Ariana Grande. Em 2018, foram o segundo grupo mais ouvido no Spotify no mundo (atrás da banda Imagine Dragons). Recentemente, tornaram-se os primeiros asiáticos a bater os 5 bilhões de streamings no canal de música.
Os ingressos para os shows em São Paulo, parte da turnê Love Yourself, Speak Yourself Tour, se esgotaram em poucas horas – no total, foram vendidas 84.000 entradas, com valores entre 145 e 975 reais. O giro começou em Los Angeles, sendo visto por 120.000 pessoas. Depois do Brasil, o grupo segue para Londres e Paris em sua fase europeia; e Osaka e Shizuoka no Japão.
Tamanha comoção entre o público jovem leva os pais a embarcarem junto nas cores do k-pop. A baiana Lidy Betânia Martins Santos, 38 anos, veio de Salvador com as duas filhas, Brenda Vitória, 15 anos, e Rute Evelyn, 11. A mais velha fez aniversário no último dia 18 e pediu o show de presente. Após uma vaquinha entre amigos e familiares, o trio conseguiu comprar as passagens de avião e os ingressos – sendo dois de cambistas, já que estavam esgotados pelas vias oficiais. É a primeira vez das garotas em São Paulo e o primeiro show da vida delas. A mãe quer garantir que a experiência seja mágica, e as noites ao relento são a forma que encontrou para isso. “Não tem cadeira numerada, então é salve-se quem puder. Quem chega cedo pega um lugar melhor, quem chega tarde — além de comprar um ingresso absurdamente caro — ainda vai ficar num lugar ruim”, diz ela, que gastou 2.500 reais só com os ingressos.
Com a data do show se aproximando, o clima no acampamento é de crescente ansiedade. Carine de Cássia, 24 anos, é chamada de “BTS” pelo chefe na empresa em que trabalha. Por lá, todos conhecem sua rotina desde fevereiro: ela dorme no acampamento e sai da estação de metrô Barra Funda às 6h para tomar banho em casa antes do trabalho. Tanto sacrifício vale a pena? “Muito”, ressalta Carine. “A gente abdica de sair com os nossos amigos, de fazer muita coisa para estar aqui. É uma questão de prioridade.”