Quando Madeline Miller, 43 anos, começou a escrever A Canção de Aquiles, há duas décadas, muitos de seus leitores atuais nem haviam nascido. No final de 2020, o romance de estreia da autora americana, lançado pela primeira vez nos Estados Unidos em 2011, foi redescoberto pela Geração Z na famigerada e jovial rede TikTok. “Eu não consigo explicar porque meu livro voltou a fazer sucesso depois de tanto tempo. Acho que os únicos que podem responder essa questão são os leitores, mas sou grata por isso. Escrevi essa história com amor e significa muito para mim que ele chegue a públicos diversos”, disse a autora em entrevista a VEJA.
O responsável pela explosão de vendas foi um vídeo de poucos segundos na plataforma, hoje visto por mais de 6 milhões de pessoas, que classificava o livro como “feito para chorar”. Depois desta mãozinha, a obra passou a vender 10.000 exemplares por semana e hoje coleciona mais de 30 semanas consecutivas na lista de mais vendidos do New York Times. Nem quando venceu o prêmio Orange Prize For Fiction, em 2012, que agracia as melhores ficções em língua inglesa escrita por mulheres, o título havia vendido tanto. Esse sucesso foi um dos motivos que fez a Editora Planeta relançar o romance no Brasil recentemente, já que a primeira edição de 2013, da Jangada, estava esgotada. A história é uma releitura gay da Guerra de Troia e acompanha o desabrochar do relacionamento entre o herói Aquiles e seu amigo Pátroclo.
“Demorei cerca de 10 anos para escrever A Canção de Aquiles. Para conseguir construir a história li muitas pesquisas, a própria Ilíada em grego antigo e muitos estudos sobre o texto de Homero. Também tive a oportunidade de morar na Grécia por um tempinho”, conta. A experiência de viver no país ajudou Madeline com as ambientações do livro. Além disso, o processo, como um todo, foi essencial para que ela conseguisse encontrar a voz de Pátroclo, o narrador. As primeiras linhas só foram surgir após cinco anos nesse mergulho.
Para representar da melhor forma possível uma relação amorosa entre dois homens, a autora valeu-se da leitura de escritores gays e também contou com a ajuda de alguns amigos, principalmente para as cenas de sexo. “Pedi para que lessem o que escrevi porque queria ter certeza de que parecia certo. Não necessariamente pela experiência deles, porque eles não são os gregos antigos. Mas para saber se estava fazendo uma boa representação.”
No Brasil, o livro também tem chamado a atenção dos chamados Booktokers. Em um vídeo visto por mais de 50.000 pessoas, uma usuária conta como a história de Madeline mexeu tanto com ela ao ponto de fazer uma tatuagem em homenagem ao livro. A redescoberta de A Canção de Aquiles pela Geração Z, após todos estes anos, indica a relevância e atualidade dos temas que ele traz. Ideias ultrapassadas sobre masculinidade, com guerreiros fortões no centro da trama, são aos poucos desfeitas pela autora, que investiga a intimidade e os sentimentos de seus protagonistas não pelo viés estereotipado, mas pelo trato simplesmente humano. Aliás, não é novidade que Aquiles e Pátroclo seriam um casal — um rumor quente da Grécia antiga. Olhar para uma história tão tradicional por uma ótica despida de preconceitos é, ao fim, o grande trufo do romance.