O imaculado branco há mais de dois séculos tinge os vestidos de noiva. Sim, há a conotação da pureza, da limpeza, da virgindade, da nova vida a ser costurada. Convém ressaltar, contudo, que a origem da tradição tem viés um tantinho mais pagão. As mulheres (e os homens, por que não?) aderiram no altar ao pano descorado desde que Napoleão Bonaparte e Josefina trocaram alianças, em 1804, de trajes alvíssimos, à exceção do bordado dourado, nele e nela. Há quem puxe o fio da meada um pouco mais para trás, ao século XVI, no matrimônio de Mary Stuart. Ou um pouco mais para a frente, no enlace entre a rainha Vitória e Albert de Saxe-Coburgo-Gota, na Londres de 1840. E assim foi, com o passar dos tempos. Até mesmo a Alaíde da tragédia Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, trocou juras de amor, enquanto durasse, sem cor.
A novidade agora, como tendência, resposta tardia ao enclausuramento da pandemia de covid-19, que adiou muitas uniões, subtraiu festas e deixou o mundo sem graça: as estampas floridas, em permanente primavera. Elas estão nas igrejas, nos cartórios e nas passarelas que antecipam o que virá. Aparecem em saias, mangas, decotes e ombros, em forma de rendas e bordados. Podem até ser metálicas. Na Semana de Alta-Costura de Paris, deram as caras como nunca.
Despontaram, naturalmente, na reputada Barcelona Bridal Fashion Week, por meio de etiquetas como Agnieszka Swiatly, Jesús Peiró e Isabel Sanchis. O fenômeno é interessante demais para ser desdenhado. “As noivas hoje gostam de acompanhar as passarelas”, diz Lethicia Bronstein, estilista celebrada por ter feito, em 2018, o modelo de flores branquinhas, que pareciam borboletas, para a atriz Camila Queiroz, da série Verdades Secretas, invenção tida como gatilho no Brasil — e, então, adeus aos pudores exagerados e preconceituosos.
Não há estatística confiável para medir o naco de mercado dos vestidos que saem do comum. Sabe-se apenas que as noivas movimentam hoje algo em torno de 12,2 bilhões de dólares em todo o mundo — valor que deve chegar a 19,7 bilhões de dólares em 2033. No Brasil, serão 28,2 bilhões de reais em 2024. Como, então, medir o sucesso do nicho dentro do nicho? Basta olhar para as fotos ao lado, preferencialmente nas onipresentes contas em redes sociais, sobretudo no Instagram e no Pinterest. Não por acaso, como faísca, bebe-se da influência de estrelas que saíram por aí como vasos a serem regados e começam a ter o vestuário “copiado” pelas nubentes. Trata-se, na prática, de importar do cotidiano desenhos que podem muito bem caminhar ao ritmo de uma marcha nupcial de Felix Mendelssohn (não, não é coisa do passado).
A fila é puxada por Jennifer Lopez, costumeira inspiração, de saia curta e pano colado ao corpo. No Met Gala nova-iorquino deste ano, a modelo Gigi Hadid (dentro de um corte do estilista Thom Browne, que levou mais de 13 000 horas para ser preparado) e a brasileira Bruna Marquezine, mais mostrando do que escondendo, brilharam para os flashes, pousaram nos smartphones e, como caminho natural, foram parar nos ateliês que buscam mimetizar o que se viu. Aos apressados, prontos para qualquer tipo de conclusão: não é roubo, apenas espelho. Mas se for o caso de ir ao original, convém então apreciar as apresentações de grifes como Tamara Ralph, Elie Saab e Giambattista Valli, ícones do ramo, em peças que começam em mais de 500 000 reais e vão ao infinito. Vale ficar com Clarice Lispector (1920-1977): “Sejamos como a primavera, que renasce cada dia mais bela, exatamente porque nunca são as mesmas flores”.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2024, edição nº 2895