Mal florescera a primavera de 1968, o ano que nunca acabou, quando Leonard Cohen, então um desconhecido poeta canadense em busca da fama em Nova York, se surpreendeu com a entrada no elevador de uma misteriosa mulher, entre o esfuziante e o sorumbático. Era Janis Joplin, a hóspede do quarto 411. Os dois passariam juntos aquela madrugada. O encontro deu origem a uma canção, Chelsea Hotel No. 2. “Lembro-me bem de você no Chelsea Hotel / você era famosa, seu coração era uma lenda / você me disse de novo que preferia homens bonitos / mas para mim você faria uma exceção”, compôs Cohen, em 1971, um ano depois da morte por overdose da roqueira. O Chelsea, um gigante de tijolo avermelhado de doze andares, encravado há 138 anos na 222 West 23rd Street, entre a Sétima e Oitava Avenida, serviu de inspiração e morada para muitos artistas que ajudaram a contar a história da segunda metade do século XX.
Decadente e maltratado, fechou parcialmente para reformas em 2011. Viviam ali alguns poucos inquilinos fixos. Agora, depois de silencioso hiato e vasta reconstrução, acaba de reabrir as portas. Atrás delas, para além do encontro de Cohen e Joplin, há relatos de excentricidades e aventuras. Em seus aposentos, Arthur C. Clarke escreveu 2001: Uma Odisseia no Espaço, Andy Warhol gravou filmes no apogeu da pop art e, em seu mais trágico episódio, Nancy Spungen foi assassinada a facadas, possivelmente por seu namorado Sid Vicious, baixista do Sex Pistols, que morreu de overdose antes do julgamento. Bob Dylan (em processo de ruptura com a mulher, Sara), Madonna, Iggy Pop e Patti Smith são outras figuras ilustres que vagaram pelos corredores.
O retorno se deu de forma discreta, com reservas abertas para dois andares, com diárias que variam de 375 dólares a 3 597 dólares (1 800 a 18 000 reais). Os preços subirão ainda mais quando a recuperação estiver concluída e seus 155 quartos restaurados, até setembro. O charmoso restaurante, El Quijote, fundado em 1930 e inspirado na obra de Miguel de Cervantes, também já funciona, depois de quatro anos trancado. A iniciativa de renovar o ícone de Manhattan foi da empresa BD Hotels, que comprou o Chelsea em baixa, por 250 milhões de dólares, em 2016. Seu mais longevo gerente, Stanley Bard, tratado em seu obituário como um “Robin Hood dos proprietários”, administrou o local por quatro décadas de maneira bem maleável. “Se Stanley gostasse de você, era um preço; se estivesse bravo, era outro”, contou ao Wall Street Journal o ator Ethan Hawke, que se hospedou gratuitamente por dois meses, após o divórcio com a atriz Uma Thurman, e viveu lá por mais três anos. Muitas vezes, o aluguel era pago por meio de obras de arte, que seriam espalhadas pelas paredes um tanto mofadas. Boa parte permanece por lá, como um quadro pintado pelo japonês Hiroya Akihama para o roqueiro Dee Dee Ramone, ambos célebres moradores. “Herdamos muita arte, algumas ruins e outras bem interessantes”, diz o novo dono, Sean MacPherson. “Gostemos ou não, esta é a história do hotel.”
De fato, não é o caso de discutir o bom ou mau gosto do endereço, dada a confusão estética alimentada por camadas da sociedade em movimento. O lounge tem agora um corrimão de bronze e piano de cauda, emoldurado por cores berrantes. Um spa — pasme — será inaugurado na cobertura. Os moradores mais longevos, contudo, tiveram seus quartos preservados. “Tentamos, se não manter, pelo menos honrar a alma e a história do Chelsea”, diz MacPherson. E ainda se pode ouvir, ou ao menos imaginar, Dylan de coração despedaçado compondo para a mulher: “Sara, Sara / o que te fez mudar de ideia? / Sara, Sara / Tão boa de ver, tão ruim de entender / Ainda posso ouvir o som daqueles sinos metodistas / Tinha passado pela cura e acabava de sair / Passando dias lá no Chelsea Hotel / escrevendo Sad-Eyed Lady of the Lowlands pra você”.
Hóspedes famosos
Sid Vicious: fichado após misterioso assassinato da namorada Nancy Spungen no quarto 100, em 1978
Janis Joplin, no hotel em 1969: o breve romance com Leonard Cohen, iniciado no elevador, virou canção
Andy Warhol: o rei da pop art dirigiu um de seus filmes, Chelsea Girls, no local, em 1966
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788