Minha história mudou drasticamente em setembro de 2009, quando, aos 18 anos, fui internado com uma meningite bacteriana, provavelmente do tipo B, já que, naquela época, ainda não havia uma vacina para a doença. Fiquei uma semana em coma, e, quando acordei, consideraram um milagre. Os médicos disseram à minha família que eu tinha menos de 1% de chance de sobreviver. O quadro progrediu rapidamente, causando gangrena nos braços e nas pernas, e uma infecção hospitalar me levou à mesa de cirurgia. Cheguei a me despedir da família e, quando acordei, após um novo coma depois da operação, percebi que tinha perdido todos os membros. No total, foram cinco meses e meio de hospital.
Muita gente vê a amputação como o maior desafio de quem passa por isso. Para mim, o peso emocional foi muito maior. Eu acordava e não me reconhecia no espelho. Não sabia quem era aquele novo Pedro. Havia um conflito entre ele e aquele “eu” de antes, o cara que jogava futebol e tocava violão. Foi devastador. Quando tive alta, o mundo lá fora parecia seguir normalmente, e eu me sentia estagnado. Aprender a lidar com esses pensamentos negativos e redescobrir minha identidade foi parte essencial da recuperação. A reabilitação física foi lenta e, aos poucos, aceitei minha nova realidade. Fiz o melhor com as cartas que recebi.
Nesse período, realizando o tratamento no setor público, comecei a frequentar eventos para entender o mundo das próteses. Em uma ocasião, conheci o vice-presidente da Hanger, a maior empresa global de reabilitação. Ele me convidou a conhecer um centro especializado em veteranos de guerra amputados em Oklahoma, nos Estados Unidos. Após semanas de um treinamento intenso, voltei ao Brasil andando com minhas próteses e prometi que nunca mais usaria cadeira de rodas. Desde dezembro de 2010, mantenho essa promessa viva. Pouco depois, fui chamado para apresentar meu caso em congressos e me tornei mentor de outros amputados.
Em 2011, eu me mudei para os EUA para trabalhar com a Hanger e me formar em economia. Também estudei fisiologia e terapia ocupacional, e comecei a viajar pelo país para prestar suporte a casos complexos. Ao longo dos anos, desenvolvi técnicas que me permitiram dirigir um carro sem adaptações, morar e viajar sozinho, e pude compartilhá-las com os demais pacientes, criando um efeito cascata de esperança. Dez anos depois, voltei ao Brasil com a bagagem necessária para fundar uma clínica especializada em próteses e casos desafiadores. E hoje ela é uma das referências na América Latina. No espaço, em Barueri (SP), acreditamos no aprendizado horizontal: os amputados se apoiam e evoluem uns com os outros. Isso é crucial na reabilitação. No próximo mês, abriremos a segunda unidade, em Belo Horizonte.
Infelizmente, muitas portas ainda estão fechadas a pessoas com deficiência, devido ao capacitismo e à falta de acesso às próteses. Os planos de saúde não as cobrem e há uma defasagem na tabela do SUS. Mas o que tento ensinar aos meus mentorados é que, por meio da educação, é possível ir longe. Ainda há muito a fazer até que a sociedade normalize as pessoas com deficiência, sem infantilizá-las ou discriminá-las. Por isso eu quero ressignificar como os amputados se veem e mudar como o mundo nos enxerga. Porque podemos construir uma carreira, uma família, uma vida social… Tenho orgulho em dizer que sou o primeiro tetra-amputado 100% independente do planeta. Minha esposa, sobrinhas e amigos estão sempre ao meu lado. E, recentemente, adotei o Chocolate, um cachorro que perdeu uma pata e, reabilitado, agora utiliza uma prótese e é o mascote da clínica, trazendo alegria às crianças. Aos 33 anos, sou um defensor das vacinas contra a meningite e sigo minha missão de ajudar outros amputados a ter acesso a tecnologias assistivas e a uma nova vida.
Pedro Pimenta em depoimento a Ligia Moraes
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915