O culto ao corpo perfeito pegou carona nas redes sociais e deixou de ser uma aspiração restrita a viciados em academia e modelos fitness. A busca frenética por músculos definidos e barriga trincada se popularizou de tal forma que o uso de hormônios sintéticos, antes confinado à turma dos bodybuilders, ampliou sua freguesia. Seduzidos pela promessa de resultados mais rápidos e visíveis, homens e mulheres passaram a recorrer, com ou sem prescrição, a substâncias classificadas como esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA). Não se trata apenas da “bomba” das academias, mas também de implantes e outras terapias hormonais que invadiram consultórios e clínicas de estética sob nomes mais amigáveis.
A preocupação com a utilização indevida e os efeitos colaterais dessas drogas, capazes de bagunçar a saúde da cabeça aos pés, fez o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibir a prescrição dos esteroides para fins estéticos ou de desempenho esportivo — desrespeitos às regras serão inclusive punidos. A discussão estava em trâmite há um ano e meio e era pleiteada por sete sociedades médicas. Elas afirmaram detectar sinais alarmantes de uma ampla divulgação e comercialização de anabolizantes, implantes hormonais e afins pelo país. Em carta aberta ao CFM, as entidades demonstraram preocupação com a presença constante de pseudoespecialistas em mídias sociais — sempre elas — indicando, de forma explícita e na maior impunidade, o uso dos produtos. “Criou-se uma falsa narrativa de que a prescrição desses medicamentos seria algo normal e, pior, segura”, diz Paulo Augusto Carvalho Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), um dos pilares na campanha para a regulamentação.
A justificativa que mais pesou na bem-vinda decisão do CFM foi a inexistência de comprovação científica a sustentar os benefícios e a segurança dessas drogas, que simulam o efeito de hormônios no corpo. “O que a literatura médica nos mostra, na verdade, é que doses elevadas de hormônios androgênicos trazem riscos inaceitáveis”, afirma Miranda. E as queixas podem ir muito além de espinhas no rosto, como celebridades que deixaram o “tratamento” de lado postaram nas redes sociais. Entre os perigos listados pelas entidades estão aumento da pressão arterial e dos níveis de colesterol no sangue, tumores no fígado e no pâncreas e alterações psíquicas e comportamentais capazes de culminar em surtos de agressividade.
O veto do CFM não abolirá esteroides como Durateston e Deca-Durabolin das prateleiras das farmácias. Afinal, essas medicações são regulamentadas e podem ser receitadas para um grupo específico de pacientes: pessoas que não conseguem produzir uma quantidade suficiente de testosterona e perdem qualidade de vida. O que está com os dias contados são soluções como o tal “chip da beleza” — que nem é chip nem necessariamente melhora os resultados na frente do espelho, mas continua badalado por celebridades como a atriz Deborah Secco.
O implante em formato de bastonete inserido sob a pele costuma ser uma minibomba de hormônios, geralmente de gestrinona, prima da testosterona. Promete ganho de massa magra, abdome esculpido e aumento da libido. Mas a ciência não assina embaixo, e ainda alerta para as reações adversas que viraram pauta entre as influencers. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia emitido uma nota técnica em 2021 proibindo a manipulação, a venda ou outras atividades envolvendo a gestrinona. Com a proibição do CFM, o charlatanismo e a má conduta médica deverão ser tolhidos.
Apesar das medidas recentes, sobrevive o receio de que a família de esteroides continue sendo comercializada no mercado negro. “Caberá às autoridades legais agirem”, diz Annelise Meneguesso, conselheira do CFM da Paraíba e relatora da resolução. “A nós, médicos, cabe respeitá-la e conscientizar as pessoas sobre os danos dessa prática.” Sim, uma bomba foi desativada. Resta sensibilizar a sociedade, dentro e fora da ágora da internet, para que assim seja e permaneça.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2023, edição nº 2839