Quem bater os olhos no anúncio poderá pensar que não passa de marketing: “Não perca a chance.” E, ao lado da promoção, imagens deslumbrantes de lugares como a Grande Barreira de Corais da Austrália, do Monte Kilimanjaro, na Tanzânia, ou das Maldivas. Mas a publicidade não mente: de fato, alguns destinos têm os dias contados. E, se as mudanças climáticas seguirem as previsões, a maioria das pessoas não terá a sorte de desfrutá-los nas férias. Pois o mercado, claro, captou quão atraentes esses lugares têm se tornado, e empresas já apostam no que chamam de turismo de última chance, nicho em ascensão que envolve visitar ambientes ameaçados de extinção. A demanda está em alta e traz um dilema: se soubesse que o destino dos seus sonhos estivesse prestes a desaparecer, compraria logo uma passagem ou evitaria o local na esperança de ajudar a preservá-lo?
Dilemas à parte, há uma onda de viajantes querendo ter experiências únicas e raras, próximas da escassez. Com o aquecimento global, haverá menos paraísos naturais em praias, montanhas e outras paragens. O caso da Grande Barreira de Corais, que cobre a costa nordeste da Austrália, talvez seja o mais sintomático. Apesar de estar mais vulnerável e correr o risco de colapso devido ao aumento da temperatura das águas, um estudo descobriu que quase 70% dos turistas já a visitam motivados pelo anseio de “ver o recife antes que acabe”. Porém, eis o paradoxo da tendência, o avanço do turismo marinho, que fomenta 64 000 empregos e contribui com 6,4 milhões de dólares por ano para a economia local, resulta em mais poluição, intensificando a acidez das águas e a morte dos corais.
Cenário semelhante é o das geleiras antárticas, que cada vez mais se dissolvem e inundam os oceanos. Espera-se um crescimento de 40% nas visitas após o hiato da pandemia. Derretendo também estão os Alpes europeus e o Monte Kilimanjaro, na África, que se encontram cada vez mais abarrotados de turistas — e das pegadas de carbono que eles deixam pelo caminho. No arquipélago de Galápagos, ao largo do Equador, um aumento de 92% no número de viajantes e o desenvolvimento hoteleiro levaram a Unesco a reconhecer o turismo como ameaça. E até mesmo uma atração como Veneza, na Itália, já implementou leis e taxas a fim de controlar o entra e sai de gente e preservar o patrimônio. Com as transformações ambientais, a cidade corre o risco de estar debaixo d’água até 2100.
A preocupação a rondar empresas de turismo e conservacionistas é que as viagens de avião, ônibus ou navio colaboram para o efeito estufa. Não só. “Muitos destinos turísticos já nascem condenados”, afirma Reinaldo de Sá Teles, expert em turismo comunitário e professor da USP, fazendo referência à propagação de quiosques, resorts e outras estruturas que tantas vezes prejudicam os bens naturais e culturais. “É preciso criar um turismo realmente sustentável.” Vontade existe. Segundo pesquisa da plataforma Booking com 33 000 viajantes de 35 países, 66% dos brasileiros ouvidos buscam adotar práticas mais positivas ao ambiente, 90% querem viajar de forma mais consciente e respeitosa ao planeta e 55% topam pagar valores extras por opções mais ecológicas. “O planejamento das férias e o desejo de explorar novos lugares estão se adaptando às questões climáticas”, afirma Nelson Benavides, gerente da Booking no país. Nesse sentido, é melhor todo mundo se apressar.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2023, edição nº 2869