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“O medo vai passar”, diz engenheiro vítima de xenofobia em Portugal

Saulo Jucá, 51, fala da gratuita surra que levou no país europeu

Por Paula Freitas Atualizado em 4 jun 2024, 10h25 - Publicado em 24 jun 2023, 08h00
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  • A sensação de que a violência estava escalando no Brasil me fez querer sair do Recife, onde nasci e cresci. Não desejava para minhas filhas, hoje com 14 e 16 anos, que vivessem num lugar em que você se vê vulnerável, sem segurança. Depois de dois anos de planejamento, aterrissei com a família na cidade portuguesa de Braga, cheia de brasileiros. Era outubro de 2021, e a ideia sempre foi ficar. O fato de ter cidadania portuguesa facilitou todo o processo. Fui bem recebido, mas o preconceito contra brasileiros, às vezes discreto, noutras mais ostensivo, acabou se tornando visível para mim em um episódio envolvendo uma sobrinha, que também mora lá. Ela e uma amiga, as duas de 15 anos, estavam conversando em um ônibus e, reconhecidas como brasileiras pelo sotaque, ouviram de uma mulher: “Vocês devem voltar ao país de onde vieram”. Indignadas, reagiram àquele preconceito, se queixando, e uma delas levou um tapa no rosto. Uma semana mais tarde, foi a minha vez de estar no alvo de uma violenta manifestação da mais pura xenofobia.

    Estava com dois amigos em uma cafeteria na rua da minha casa, onde sou cliente regular. Eles foram embora, e decidi ficar e papear com o dono. De repente, um jovem português, que escutava a conversa, perguntou qual era a minha nacionalidade. Respondi: “Sou brasileiro, com orgulho”. Aí veio o grande susto quando, do nada, ele partiu para a agressão física. Ninguém no entorno se mexeu para me ajudar. Recebi uma série de socos no rosto e, pego de surpresa, não tive reação. Logo estava no chão, entre pontapés nas costelas e na cabeça. Cansado, o agressor finalmente parou e saiu correndo dali. Pedi então ao dono do lugar que chamasse a polícia e uma ambulância. Fui levado a um hospital e passei 24 horas em observação. Me liberaram avisando que, caso as dores se agravassem, deveria retornar ao pronto atendimento. Quebrei nariz e costela, estou com a boca rasgada, sem falar dos olhos inchados e da dificuldade — espero que temporária — de enxergar.

    Prestei queixa na delegacia e fiz um exame de corpo de delito. Venho sentindo na pele o descaso da polícia. Desde o incidente, em 10 de junho, não me informaram sobre em que pé se encontra a investigação. Até onde eu sei, as leis voltadas para a xenofobia são brandas em todo o território português — o que, infelizmente, leva a uma repetição de casos como o meu. Torço para que o episódio, que acabou chamando atenção nas redes, se traduza em mudanças nesse tipo de postura fincada no preconceito. Acredito que medidas eficazes para coibir atos assim só se tornarão realidade se autoridades brasileiras pressionarem o governo português. Afinal, eles não são agredidos no Brasil. Não é justo que histórias como a minha sejam toleradas pelas forças de segurança de Portugal. Um ataque tão covarde deixa marcas físicas e psicológicas.

    Ainda sinto receio de sair na rua. Por enquanto, não ando mais sozinho. Mas não penso em retornar ao Brasil. Tenho uma vida interessante em Portugal. Trabalho como engenheiro civil e sou feliz aqui. E, é bom lembrar, a rejeição aos brasileiros nem de longe reflete o espírito de um povo inteiro. O ódio que embalou o meu caso se restringe a uma minoria barulhenta. Refleti muito. Mesmo com o episódio fresco na memória, não posso deixar que essa triste lembrança me impeça de demonstrar o orgulho que tenho do meu país, das minhas origens. Venho sendo acolhido por uma corrente de solidariedade, tanto de amigos e familiares quanto de jornalistas e advogados portugueses. Merecemos respeito, e o ocorrido não pode ficar impune. A dor no corpo não foi embora, mas o pior mesmo é o medo. Ele segue comigo, mas sei que vai passar.

    Saulo Jucá em depoimento dado a Paula Freitas

    Publicado em VEJA de 28 de Junho de 2023, edição nº 2847

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