A vontade de ser pai antecede quase tudo na minha vida. Antes mesmo de escolher a profissão, entender minha orientação sexual ou me mudar para Nova York, tinha esse plano. Lembro que na primeira vez que saí com meu marido — o americano Benjamin Parker Thigpen —, há dezesseis anos, o assunto surgiu no jantar. Ele compartilhava do mesmo desejo. Só que para um casal gay não existe gravidez acidental, é preciso muito planejamento. Como estávamos sempre ocupados e viajando, adiamos o projeto. Na época em que participava do Manhattan Connection e fazia o Pedro pelo Mundo (GNT), passava até 250 dias no ano fora de casa. Inúmeros homens têm filhos aos 60, 80 anos, mas, na minha matemática particular, queria antes. Há três anos decidimos que era hora. Minha filha, Isabel, nasceu de uma barriga de aluguel no dia 26 de janeiro, no Havaí.
A opção pelo processo ganhou ainda mais força quando gravei um programa sobre o tema. Pude conhecer agências, entrevistar mulheres que gestaram filhos assim e ajudar a desmistificar o preconceito. Embora a prática seja proibida em vários países (no Brasil, é autorizada se a barriga solidária tiver parentesco com um dos parceiros), nos Estados Unidos é legal e segue leis draconianas. Para carregar no útero o bebê de outra família, a candidata precisa passar por três avaliações psicológicas, estar trabalhando e ter tido, no mínimo, duas gestações. No acordo firmado, é definido como será o acompanhamento da gravidez e se manterão contato após o nascimento. É uma jornada emocionante, cheia de etapas, cara — de 50 000 a 250 000 dólares —, mas que compensa cada centavo.
Quem trouxe a Isabel ao mundo foi Whitney Caskey, uma veterinária havaiana de 34 anos, casada, dois filhos, uma pessoa que quero ter por perto pelo resto da vida. Na gestação, acompanhamos todos os ultrassons e nos aproximamos. É uma mulher forte, inspiradora e de uma generosidade ímpar. Como a Whitney relatou em uma série que estamos gravando para a Max sobre estruturas familiares pelo mundo, ela é movida por um poder emocional. Sente-se recompensada só de saber que se tornou fundamental para transformar a vida de outras pessoas. E, por mais que alguns estranhem, tem o apoio incondicional da família. Na hora do parto, estávamos o Ben, o marido dela e eu. Todos tomados por uma emoção enorme. Meu olho enche d’água só de lembrar.
Por mais que tenha lido, ouvido podcasts e conversado com pessoas, nada se compara àquele momento. Ali tive a certeza de que tudo que fiz até aqui me preparou para ser pai. A Isabel intensificou tudo na minha vida. Os momentos alegres viraram explosões de felicidade e as micropreocupações, ataques de pânico. Dois dias depois de chegar em casa, corremos para o pediatra porque ela, na minha cabeça, dormia demais. Hoje acho graça, mas estávamos preocupados. Ela não tinha nada, apenas era o sono normal de uma recém-nascida. Como nós não temos ninguém da família por perto, no início contamos com uma babá em tempo integral e hoje temos uma pessoa que nos ajuda durante o dia.
Sei que ter uma filha gestada assim gera curiosidade. A imagem que as pessoas têm de que a mulher pode querer ficar com a criança é fruto de desinformação. Em solo americano, é impossível: quem participa não tem ligação genética com o bebê. Nós recorremos a um banco de óvulos para a fertilização in vitro, com sêmen do Ben e meu, e a intenção era ter gêmeos. Só um embrião vingou. Sabemos de quem é o material biológico, mas , por enquanto, não temos a intenção de revelar. Existe uma ideia absurda de que um é mais ou menos pai por isso, mas, para nós, é nossa filha e ponto. Estamos completamente realizados com a Isabel, mas planejamos ter mais filhos. Com a ajuda de outra barriga de aluguel, com certeza.
Pedro Andrade em depoimento a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 19 de julho de 2024, edição nº 2902